Crimes no Discord: como evitar que seu filho seja vítima?
Jovens precisam ter o canal de diálogo aberto com os pais e saberem que não tem direito à privacidade absoluta
Depois de uma denúncia importantíssima feita pelo programa “Fantástico” (TV Globo), a Polícia Civil do Rio de Janeiro apreendeu dois menores suspeitos de cometer crimes na internet de práticas de violência e propagação de ódio, como estupro virtual, indução à automutilação e sacrifício de animais domésticos.
Apesar de afirmar ter política de tolerância zero para atividades prejudiciais à sociedade, todas as ocorrências aconteciam na plataforma Discord, muito popular entre os jovens, que permite comunicação em transmissões ao vivo pela internet. Nos últimos seis meses, a plataforma removeu 98% das comunidades identificadas com abuso de crianças no Brasil.
Segundo os investigadores, os menores – um de 14 anos, outro de 17 – apresentavam frieza e crueldade ao serem detidos. Ambos fazem parte de uma quadrilha suspeita de estupros virtuais, de convencer meninas a se automutilarem e a cometerem suicídio. Cerca de 200 agressores participam ativamente desses grupos.
De acordo com a polícia, os agressores tinham informações pessoais de, pelo menos, 400 crianças e adolescentes vítimas em todo o Brasil. De posse desses dados angariados na internet, eles começam uma série de chantagens. Caso as tarefas impostas a eles não sejam cumpridas, os criminosos prometem espalhar nas redes imagens de “nudes”, conversas comprometedoras e, até mesmo, criar dívidas em nome de parentes.
O rapaz de 17 anos, apreendido nesta terça-feira, foi apontado pelos investigadores como um dos mais atuantes da quadrilha. Em depoimento, ele disse ter feito cerca de dez vítimas. Os casos chocam pelo requinte de crueldade. A primeira vítima foi ameaçada e coagida a ligar a câmera, matar um gato ao vivo e logo em seguida abrir a barriga dele. Ainda segundo o rapaz, um dos episódios durou aproximadamente três horas, com submissão da vítima a diversas humilhações. Além disso, o jovem confessou que, recorrentemente, obrigava as vítimas a usar objetos cortantes para escrever o nome dele no corpo.
O caso serve de novo alerta para pais e responsáveis. Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 93% das crianças e adolescentes do país entre 9 e 17 anos são usuárias de internet, o que equivale a cerca de 22,3 milhões de pessoas conectadas apenas nesta faixa etária.
Portanto, é preciso que os adultos estejam absolutamente conscientes e informados a respeito dos conteúdos que os filhos consomem na internet e nas redes sociais. Trata-se de obrigação dos adultos. Nenhum pai deixa o filho sozinho em uma praia ou no shopping. Pois a internet não é muito diferente de uma praça pública, com os menores expostos a todo tipo de violência. Adolescentes, e muito menos crianças, tem direito à privacidade absoluta. Privacidade não é um direito dos jovens, é uma conquista – que só acontece com o tempo.
Outro fator importante é que os pais tenham canal de diálogo aberto com os filhos. Eles precisam se sentir à vontade para trazer qualquer tipo de assunto, desde os mais corriqueiros até os mais relevantes – como no caso de estarem sendo chantageados por bandidos. Interditar o diálogo com os filhos é uma péssima alternativa.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).