“Chá revelação” de autismo e a glamourização de transtornos mentais
Vídeos que comemoram diagnóstico expõem uma distorção do que é um transtorno

É fácil achar no TikTok, coincidentemente a rede preferida dos jovens: vídeos em que os adolescentes fazem festinhas para “revelar” o diagnóstico do transtorno mental de um deles. Esse comportamento é bastante questionável por provocar uma falsa glamourização e trivialização dos transtornos mentais.
A novidade do “chá de revelação” é o outro lado da moeda de um comportamento a que também temos assistido com frequência nos consultórios: a busca – para não dizer o desejo – por um diagnóstico de transtorno mental, como depressão ou autismo, numa espécie de modismo geracional.
Não é raro que o jovem chegue para a consulta “diagnosticado” pelos amigos, pelas redes ou pela internet. Ignoram que a presença de um profissional corretamente preparado para a função é primordial para que qualquer quadro de transtorno mental seja efetivamente confirmado. Além disso, uma eventual correção do primeiro “diagnóstico” é capaz de criar frustração, quando não indignação no paciente.
O que eles desconhecem é que todos os transtornos mentais geram algum tipo de comprometimento ao paciente, seja prejuízo social, laboral, familiar, afetivo. A nós, profissionais de saúde, cabe tentar reduzir ao máximo os prejuízos. Em resumo: é possível, mas não é fácil conviver com um transtorno. As pessoas que agora vão as redes e tentam glamourizarum transtorno não tem ideia do que é conviver com ele constantemente.
Essa ressalva não tem nada a ver abolir preconceitos. Claro que é positivo que se fale cada vez mais sobre transtornos mentais. Mas com responsabilidade. Filmar e compartilhar “chá de revelação” traz, inevitavelmente, uma ideia de banalização do que seja viver sob certas condições.
A internet e as redes sociais podem ser preciosos aliados na ampliação de conhecimento e informação. Mas também tem a mesma eficácia – talvez até maior, infelizmente – em criar ilusórios modismos ou tendências – além de desinformação. Toda a polêmica que cerca a responsabilização das plataformas quanto a seus conteúdos apenas confirma este fato.
Celebrar a revelação de um transtorno mental, com “bolinho” e postagem, pode fazer sentido sob aspectos financeiros, de engajamento, menos à saúde dos pacientes.
Fabio Barbirato é médico psiquiatra pela UFRJ, membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e responsável pelo setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na PUC-Rio. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).