“Antes do ano que vem”: peça é programa obrigatório para pais e filhos
Com humor, Mariana Xavier leva ao palco muitas das questões que desafiam a saúde mental dos jovens hoje em dia

Estou acostumado a falar em público. Seja entre meus parceiros de trabalho, colegas médicos ou alunos, subir no tablado e falar sobre temas da psiquiatria infantil faz parte da minha vida. Mas, ano passado, atendi a um convite muito simpático para falar para um público diferente: os espectadores da peça “Antes do Ano que Vem”, em um bate-papo ao final da sessão, com a atriz Mariana Xavier. A boa notícia é que a peça volta ao Rio de Janeiro a partir desta semana, no Teatro Copacabana Palace (que é lindo, passou anos fechado, reabriu há pouco e conhecê-lo já é um programa!)
Eu não conhecia a peça e não busquei ter mais informações justamente para poder ter a surpresa, como todos os demais espectadores. Sozinha em cena, a atriz dá vida a sete mulheres, tipos bastante diversos, e surpreende por usar apenas o corpo e a voz para, num estalar de dedos, sair de uma personagem e entrar em outra.
Por força do ofício, uma personagem em especial chamou a minha atenção, pela capacidade do autor Gustavo Pinheiro em traduzir para a cena o que é a realidade de muitos jovens: a adolescente de 16 anos, que se sente distante dos pais e cobrada para ter a vida que é esperada (e cobrada) dos jovens nas redes sociais.
Na trama da peça, as personagens se encontram em situação-limite faltando poucas horas para o Ano Novo. E a partir daí… não conto para não estragar a alegria de quem for conferir o espetáculo! Mas posso garantir: é surpreendente e vale a experiência.
Sabemos o quanto esta época do ano, retratada na peça, assim como demais festejos coletivos, podem detonar quadros de ansiedade e depressão. Outro fator agravante deste período do ano é o compromisso com a felicidade obrigatória que parece fazer parte do pacote de Ano Novo, mas que se torna difícil para quem sofre com algum transtorno mental.
Ao final da peça, no bate-papo, tive a feliz surpresa de ver que a maior parte do público, no teatro lotado, fez questão de permanecer para trocarmos impressões. O que se constata é que os pais, de fato, estão um pouco perdidos sobre como devem proceder na educação dos seus filhos. Repeti à plateia o que costumo dizer aos pais dos meus pacientes: monitorar e supervisionar a atitude dos filhos, dentro ou fora das redes sociais, não é invasão, mas sim o que se espera dos pais – que, muitas vezes, delegam esta função para a escola ou funcionários.
Isso não tem nada a ver com presença. Há pais que trabalham muito, estão fisicamente ausentes, mas que conseguem se fazer muito mais presentes do que outros que simplesmente estão ali ao lado do jovem, mas são incapazes de demonstrarem interesse pelo universo do filho ou até mesmo perceberem quando algo não vai bem.
O uso constante de celular e outros aparelhos também é sempre assunto de interesse dos pais. O fato é que crianças e jovens são esponjas: eles aprendem pela experiência que observam. De nada adianta os responsáveis insistirem para que a criança saia do celular se eles próprios não tiram os olhos das telas.
Muitos pais se queixam de se sentirem distantes, deslocados dos assuntos que interessam aos filhos, com verdadeira dificuldade de terem uma conversa mais enriquecedora em família. Ir ao teatro pode ser a resposta para essa questão. E, para isso, “Antes do ano que vem” é um prato cheio.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).