Adultização: a denúncia que chegou ao Congresso e deve mexer com a lei
Exploração da imagem de crianças e adolescentes é denunciado por influencer e gera enorme (e positiva) repercussão

Quem lançou a pedra no lago foi o influencer Felca. Com mais de 15 milhões de seguidores, a pedra gerou uma sequência de ondas que chegou à Brasília e chamou os deputados à responsabilidade. Em um vídeo com mais de 50 minutos, que viralizou numa velocidade impressionante, Felca denunciou o que chamou de “adultização”, a exposição e exploração da imagem de crianças e adolescentes, às vezes em situações inocentes, como aulas de ginástica, que entram no radar de rede de pedófilos por causa dos algoritmos. “Eles pegam conteúdos inocentes e transformam em ponto de troca. É assustador”, resumiu Felca.
Esses vídeos também seriam aproveitados por produtores de conteúdo e de canais brasileiros em busca de seguidores e lucratividade, que expõem crianças em situações íntimas ou até de sensualidade, como topless. A velocidade de circulação de material dessa espécie no ambiente digital ganha uma escala muito grande, ainda mais em um cenário de pouca fiscalização, como acontece no Brasil.
O vídeo de Felca alcançou mais de 30 milhões de visualizações em poucos dias. A repercussão foi tão grande que o influencer sofreu ameaças e precisou andar com escolta e carro blindado – o que dá a dimensão da indústria de exploração sexual de menores que ele incomodou.
O presidente da Câmara dos Deputados classificou o tema como “urgente” e prometeu colocar em votação projetos sobre o tema. Na Casa já há mais de 30 projetos sobre o tema. “O vídeo de Felca sobre adultização das crianças chocou e mobilizou milhões de brasileiros. Na Câmara, há uma série de projetos importantes sobre o assunto. Nesta semana, vamos pautar e enfrentar essa discussão”, disse Hugo Motta, presidente da Casa.
A polêmica reacende a discussão sobre a falta de responsabilização das bilionárias plataformas digitais e big techs acerca do conteúdo que elas divulgam – atribuindo a responsabilidade unicamente aos produtores de conteúdo. As lacunas por falta de marco regulatório legal impedem a responsabilização das empresas e a devida punição onde mais os incomoda: no bolso. É preciso enfrentar e finalmente driblar o poderoso lobby dessas empresas.
A realidade é que hoje não existe uma regulação que obrigue as plataformas a criarem parâmetros e algoritmos mais responsáveis para crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, prevê proteção ampla a esse público, mas ela carece de atualização para o ambiente digital.
A discussão não poderá se furtar a considerar os danos e impactos desses vídeos e exposições ao desenvolvimento psicológico das crianças – algumas expostas de forma reincidente, por anos. É crescente o número de tentativas de suicídio, automutilação e golpes em menores, incitados a partir das redes sociais.
O vídeo de Felca é um belo exemplo de como as redes sociais podem ser usadas de maneira saudável e para o bem público. O alerta do influencer escancara a urgência de uma legislação que proteja nossas crianças e a recende a esperança de que o bom senso vença o poder financeiro pelo bem da saúde mental dos menores.
Pais e professores devem ficar atentos não apenas ao que os filhos acessam, mas também ao conteúdo que eles mesmos postam dos filhos, às vezes na maior inocência, mas que na mão de bandidos pode virar material que alimente uma rede de pedófilos.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).