“Adolescência”: por que a série causa comoção entre pais de adolescentes?
Programa da Netflix foi o assunto das últimas semanas nos grupos de pais (e fora deles também)

Foi surpreendente: poucos foram os pais que chegaram nos consultórios nas últimas semanas sem falar de “Adolescência”, a série da Netflix que virou fenômeno mundial. O assunto foi onipresente nos grupos de pais do WhatsApp. Li e ouvi muitas opiniões. Mas acho interessante compartilhar alguns comentários do ponto de vista de quem tem mais de 30 anos de prática na psiquiatria infantil, devotando a vida à saúde mental de crianças e adolescentes.
Primeiro ponto, antes de mais nada, é importante reforçar o quão salutar é o fato de que um programa coloque no centro da discussão a saúde mental dos adolescentes. Por muitos anos, as questões dessa faixa etária foram relegadas à segundo plano, diminuídas ou ridicularizadas. De algum tempo pra cá, especialmente depois da pandemia, as questões em saúde mental se tornaram prementes e foco de atenção.
Outro fator que destaco é que muitos pais se mostraram assombrados com a possibilidade de desconhecerem o mundo interior dos filhos, o que lhes vai à alma e à mente. Outros, se assustaram com a chance de não terem domínio sobre o que os filhos consomem e como se comportam dentro e fora de casa. Muitos sequer dominam a forma como os filhos se comunicam, em mensagens a base de emojis e reduções de palavras que desafiam as gerações mais velhas. A esses, trago uma notícia alentadora: depende muito da qualidade da supervisão e do tempo que os pais dedicam aos filhos. Isso fica bastante evidente no momento em que o personagem policial para e escuta o filho, que acaba o ajudando a esclarecer o caso. Eu, por exemplo, fiz questão de assistir “Adolescência” com meu filho, que tem a idade semelhante ao do personagem. Ouvir seus comentários me dá mais uma oportunidade de ouvi-lo e entender ainda mais o que ele pensa e como enxerga o mundo.
No entanto, vemos os pais cada vez mais desafiados a serem… pais. A falta de tempo pelos muitos compromissos, a culpa intrínseca por essa falta de tempo, a velocidade das informações, o universo ainda muito desconhecido das redes sociais e do consumo de telas, tudo isso parece ser um desafio às vezes intransponível para alguns pais. Diante da inabilidade, eles sucumbem. E uma das formas mais recorrentes de sucumbir é relegar a escola o papel de educar as crianças. É claro que elas são importantes, mas não podem e não devem carregar essa responsabilidade sozinhas. O episódio dois de “Adolescência” escancara o caos que se tornou uma escola nos tempos de hoje, um modelo que não dá mais conta do mundo e das questões contemporâneas das crianças – seja na Inglaterra, seja no Brasil.
Outro dado curioso da série é que o menino em momento algum parece apresentar algum traço de transtorno mental, seja para a família, seja para os amigos. Até mesmo a explosão com a psicóloga, que acontece no episódio 3, pode ser justificada pela pressão a que ele estava sendo exposto. Fora isso, não é possível “diagnosticar” o personagem apenas com o que a série nos apresenta. E talvez isso seja o que tem deixado os pais mais assustados: adolescentes podem ser violentos desde que o mundo é mundo. Crimes também sempre foram praticados por jovens. A provocação que a série traz, de forma muito interessante, é que até mesmo as crianças que foram mais amadas e protegidas, que tiveram conforto e acesso à educação, podem ser violentas. Como controlar isso? Não há um controle absoluto do comportamento dos filhos. O que os pais podem fazer é educar, prover, manter um canal de diálogo, colaborarem para o crescimento de boas pessoas para o mundo – o que já é bastante coisa. Mas se isso vai mesmo se confirmar, só o tempo pode dizer.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).