A invasão do zap na vida dos médicos
Comunicação em tempo real fragiliza a relação com o paciente e a saúde mental do médico
Converse com qualquer amigo médico, não importa a especialidade, e ele irá confirmar. O limite do bom senso já foi ultrapassado há tempos. Pacientes (no meu caso, os pais) valem-se da facilidade de comunicação do WhatsApp para literalmente invadir seu celular, bombardeando com mensagens de toda ordem: de dúvidas no tratamento a pedidos de receitas (quando não cancelando uma consulta que se iniciaria dali a cinco minutos). Não raro, a questão poderia facilmente esperar a próxima consulta.
O fato é que a comunicação em tempo real – com vinte, cinquenta, cem pacientes ou seus responsáveis – deixou exposta a saúde mental (que ironia!) de quem está ali para cuidar da saúde mental dos outros.
Trata-se de um fenômeno tipicamente brasileiro. Converso com colegas em congressos e a relação médico-paciente é tratada de outra forma fora de consultório em outros países. Há um certo respeito, uma certa “liturgia” no contato que se estabelece entre os dois. Para além do fato que os brasileiros usam WhatsApp de maneira desgovernada (pesquisa recente concluiu que somos a segunda nacionalidade mais conectada, uma média de nove horas e treze minutos ao dia, perdendo apenas para a África do Sul).
Sempre defendo junto aos pais que as crianças aprendem o que elas vivenciam – para o bem ou para o mal. Permitir que os filhos testemunhem tamanho assédio a médicos (e não apenas a eles, mas a todos os prestadores de serviço) é pouco educativo. Se antes as pessoas se sentiam intimidadas de incomodar por telefone, agora elas consideram bastante natural mandar mensagens (às vezes muitas). E experimente não responder de imediato…
Também sou pai. Também sou consumidor. Gosto de ser respondido quando mando mensagem para quem quer que seja. Meu ponto é que os pais precisam entender o quanto de gatilho de ansiedade uma mensagem indesejada, sem urgência, às 23 horas da noite ou às 6 horas da manhã é capaz de despertar – em quem envia e em quem recebe.
Se parecemos viver uma espécie de “pandemia” de ansiedade, cada um pode fazer a sua parte no caminho oposto. Um bom começo é controlar o número de mensagens enviadas por dia, considerar a disponibilidade do destinatário em responde-la e avaliar a real necessidade de mandá-la, um tipo de formalidade que anda em falta e precisa ser resgatada.
Fabio Barbirato é médico psiquiatra pela UFRJ, membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e responsável pelo setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na PUC-Rio. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).