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Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD.
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
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Será que faltam médicos no Brasil?

Não há falta de médicos no Brasil, o que verdadeiramente enfrentamos é a desigualdade na distribuição e na fixação de médicos pelo país

Por Dr. Fabiano M. Serfaty e Dr. Walter Pallis.
Atualizado em 22 Maio 2023, 12h42 - Publicado em 22 Maio 2023, 11h23

A qualidade do atendimento médico é um fator primordial para a efetividade dos serviços de saúde e o bem-estar da população. A medicina desempenha um papel crucial na preservação da vida e no tratamento de doenças, exigindo elevados padrões de formação, competência e ética profissional. No entanto, garantir a excelência na assistência médica é um desafio complexo, especialmente diante das demandas crescentes e das transformações contínuas no cenário da saúde. Com o objetivo de abordar as questões fundamentais relacionadas à qualidade do atendimento médico e explorar as estratégias necessárias para preservar a excelência na atenção à saúde, convido Dr. Walter Pallis, ginecologista e obstetra, Professor-Chefe da Disciplina de Ginecologia da Escola de Medicina Souza Marques e Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ/2020-2022).

Dr. Fabiano M. Serfaty:  Como você enxerga a relação entre a formação médica e a qualidade dos serviços de saúde no Brasil?

Dr. Walter Pallis: Como médicos, temos uma grande responsabilidade e, por isso, nossa formação é fundamental. Um compromisso que nosso país deve ter é garantir qualidade no ensino dos futuros médicos. E a falta de critério na abertura de cursos de medicina pode tornar muito difícil a oferta de qualidade nos cursos e, consequentemente, comprometr a boa capacitação desses profissionais.

Por isso também somos enfáticos quanto à necessidade da realização do exame de revalidação do diploma médico no Brasil, o REVALIDA, que visa aferir exatamente a formação deste profissional estrangeiro ou daqueles brasileiros formados no exterior. Trata-se de garantir segurança a nossa população de que será atendida por profissional com formação e conhecimento suficiente para garantir a qualidade deste atendimento. Não se trata de ação corporativista e sim de preservar a qualidade da atenção à saúde. O médico bem formado, bem capacitado na sua atividade prática é uma garantia de qualidade no atendimento da população.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Como a abertura indiscriminada de novas faculdades de medicina pode contribuir para a mercantilização da medicina e o aumento da desigualdade no acesso aos serviços de saúde no Brasil? Faltam médicos no Brasil?

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Dr. Walter Pallis: Não há falta de médicos no Brasil, de acordo com a Demografia Médica de 2023, um estudo do Conselho Federal de Medicina, que hoje é uma plataforma que pode ser acompanhada por todos em tempo real. Atualmente, são cerca de 545,4 mil profissionais em atividade no país, o que representa 2,56 para cada mil habitantes – índice bem parecido com o de países desenvolvidos, como os Estados Unidos e Canadá. O que verdadeiramente enfrentamos é a desigualdade na distribuição e na fixação de médicos pelo país. A grande maioria acaba sendo concentrada nas capitais, assistindo a 24% da nossa população. A região que enfrenta mais dificuldade é a Norte. Com isso, notamos que o problema é a falta de investimentos nessa área para que haja uma distribuição mais igualitária, com o propósito de garantir atendimento para todos.

É consenso que a abertura de novos cursos, mesmo que em localidades carentes, não garanta a adequada presença de médicos no local, porque a maioria migra, após seu término, para os grandes centros com maior acesso a tecnologia, empregos, remuneração e perspectiva de carreira. Existe a necessidade de se fixar médicos em regiões distantes e de difícil acesso e isso só se faz com oferta de adequado local de trabalho em que os insumos e infraestrutura estejam presentes e que contemple recursos humanos em quantidade e qualidade em função das demandas locais. É nossa opinião que isso se dará com a criação de um plano de carreira, cargos e salários bem desenhado, onde o profissional enxergue o tempo de permanência, sua remuneração, sua ascensão funcional e hierarquia no sistema.Por isso, a abertura de novas escolas médicas não assegura que não haverá desassistência. Pelo contrário, de acordo com os números, a tendência é que se tenha mais profissionais formados concentrados no mesmo lugar. A precarização dos vínculos empregatícios é outro ponto que precisamos considerar. Não podemos colocar em risco a vida da população, deixando que o interesse econômico de grandes conglomerados educacionais crie cursos sem critérios técnicos, demográficos e com a oferta adequada de campo de treinamento.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais as principais consequências para a saúde pública da proliferação de novas faculdades de medicina no país?

Dr. Walter Pallis: Muitos falam da abertura de escolas médicas como se isso fosse a solução de um problema, mas o que precisamos mesmo é investimentos adequados para as unidades de saúde. É preciso proporcionar aos médicos condições de trabalho, como insumos, medicamentos, leitos, vagas para os pacientes. As unidades estão sempre superlotadas, sem um planejamento de construção de novos hospitais e abertura de novos leitos. É preciso investir na contratação de recursos humanos, que inclui médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde. Não vemos também uma política de plano de cargos e salários para os médicos e os vínculos empregatícios estão cada vez mais precários, o que aumenta a rotatividade. E é muito importante ressaltar que o ensino precisa ser bastante qualificado, para não expor os pacientes a um atendimento inadequado.Não podemos colocar em risco a saude da população, deixando que o interesse econômico de grandes conglomerados educacionais crie cursos sem critérios técnicos, demográficos e sem a oferta adequada de campo de treinamento, fundamental na formação e qualificação do profissional.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: O que é o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE) e como o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro(CREMERJ) está auxiliando a Retirada do RQE atualmente? O que é necessário para retirada do RQE? De que forma o RQE pode contribuir para a melhoria da qualidade da assistência médica prestada à população?

Dr. Walter Pallis: O Registro de Qualificação do Especialidade (RQE) é o documento que atesta junto ao CREMERJ a especialidade do médico, trazendo segurança para o profissional e, principalmente, para os pacientes. Esse registro qualifica os profissionais e a medicina no Brasil e também pode nos mostrar, por exemplo, se há alguma especialidade enfrentando déficit no número de profissionais. Além disso, é importante que os médicos especialistas façam a solicitação junto ao CREMERJ, pois, assim, o Conselho passa a atestar publicamente a especialidade do médico e permite ainda que ele esteja em conformidade até com as regulamentações para publicidade. Vemos tanta importância nisso que estamos com uma campanha de gratuidade para a solicitação do RQE até o dia 31 de julho. Para solicitar o documento, os médicos devem ter feito residência médica ou a prova de título nas sociedades de especialidades. Para situações anteriores a 1989, quando foi feita a Resolução do CFM, existem algumas exceções, que também dão direito ao registro. A solicitação pode ser feita totalmente online e as informações necessárias podem ser conferidas no site do CREMERJ. É importante saber que, quando o médico registra o RQE, a população passa a ter acesso a esse dado no site do Conselho, se pesquisar pelo profissional.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são as perspectivas para o desenvolvimento da medicina no Brasil nos próximos anos?

Dr. Walter Pallis: As entidades médicas devem estar constantemente buscando e cobrando soluções dos órgãos governamentais, em busca de melhoria na formação, nas condições para a prática médica e de honorários e vínculos de trabalho dignos. Esse é o caminho para o aprimoramento no atendimento da população. No CREMERJ, nos últimos anos, seguimos defendendo a boa formação dos nossos jovens médicos e temos estado junto das sociedades de especialidades em busca da qualificação científica necessária para esse desenvolvimento, inclusive de educação médica continuada. Além disso, temos visto o avanço da tecnologia e quanto isso tem aprimorado técnicas e facilitado por vezes a assistência. Precisamos estar antenados também a esse tema, sabendo que nada substitui a necessidade de adequada relação entre médico e paciente. O país tem centros de excelência tanto na saúde pública quanto privada e o desafio é democratizar o acesso a essa excelência de atendimento para o maior número de pessoas que, em muitos locais, nem acesso a equipe de saúde possuem. Uma opção bastante racional é aumentar a oferta de assistência na atenção primária, que se feita adequadamente e bem dimensionada, reduz em muito a necessidade de atendimento mais complexo, além de prover todas as localidades com equipe multiprofissional de saúde.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Como a tecnologia pode ser utilizada para aprimorar a formação médica e melhorar a saúde da população brasileira?

Dr. Walter Pallis: As tecnologias oferecem ferramentas fantásticas e são grandes aliadas quando utilizadas de forma racional, ética e responsável. Durante a pandemia, a formação dos médicos só foi possível por conta das aulas on-line. O problema que decorreu disso foi a falta das atividades práticas que prejudicou muito na formação desses profissionais que foram expostos ao atendimento da população sem que tenham tido seus ciclos de ensino pleno. Por outro lado, a troca de informações de forma global trouxe mais celeridade na atualização dos procedimentos e no acesso a novos tratamentos. De maneira positiva, também possibilitou agilizar processos e avanços. Incorporando essas novas tecnologias, o CREMERJ foi pioneiro no Brasil a lançar a Resolução 305 da Telemedicina em março de 2020, na vigência da pandemia, que permitiu que pacientes pudessem acessar os médicos, sem solução de continuidade nos seus tratamentos. Essa ferramenta hoje já está em uso na nossa prática diária, com amplos benefícios para a sociedade, respeitando critérios éticos e técnicos. Também no CREMERJ, lançamos a Plataforma Digital, que engloba um grande número de serviços incluindo a Receita Digital, a emissão de atestados, declarações, solicitação de exames e a emissão de Laudos de Solicitação de Medicamentos (LME). Estas incorporações representaram um grande avanço e criaram facilidades para médicos e pacientes. Por conta disso o Conselho está sempre prospectando novas idéias e em breve estaremos lançando o prontuário eletrônico totalmente gratuito para os nossos médicos. Temos investido em transformação digital porque acreditamos que ela seja um complemento importante, facilitador para a nossa atividade e que veio para ficar.

Dr. Fabiano M. Serfaty: De que forma a integração entre as diferentes áreas da saúde pode contribuir para uma maior efetividade no tratamento e prevenção de doenças no país?

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Dr. Walter Pallis: No estado do Rio de Janeiro, nós nos deparamos com realidades distintas para a população. Por isso, entendemos que a integração das áreas da saúde pode resultar em melhorias para a nossa população. Um sistema que converse entre as unidades das três esferas, trazendo maior possibilidade de atendimento para os pacientes. A hierarquização da assistência na saúde, já pensada em momentos anteriores, com as adaptações atuais seria uma forma de uso racional de recursos, hoje dissipado de forma equivocada. Esse conceito levaria a gastos mais bem distribuído e oferta de serviços ampliada. Um exemplo disso é a prevenção de doenças, que deve ser feita na atenção primária, competência da esfera municipal e onde todos os recursos voltados para esse programa deveriam ser canalizados para este ente federativo. Já o tratamento do câncer, está a cargo das unidades federais em nosso estado. Lembrando sempre que a prevenção e o diagnóstico precoce devem ter atenção prioritária, evitando a doença ou mesmo seu agravamento. Além disso um sistema de referenciamento adequado (central de regulação) e, a nosso ver, que fosse único ou adequadamente interligado entre as redes, agilizaria o fluxo de pacientes permitindo um acesso mais rápido, o que em saúde é fundamental

Dr. Fabiano M. Serfaty: Como garantir a qualidade do atendimento médico para população? Quais ferramentas podemos usar para nos informar sobre o médico que está nos atendendo?

Dr. Walter Pallis: É muito importante, como falamos, garantir condições de trabalho para os médicos, vínculos empregatícios mais estáveis, evitar a invasão do Ato Médico por outras pessoas de profissões não habilitadas e investir em formação acadêmica adequada. Por isso sempre nos posicionarmos reivindicando das gestões públicas essas nossas pautas para uma assistência de qualidade para os pacientes. Sobre as ferramentas, no site do CREMERJ, a população pode consultar se o profissional é inscrito no Conselho, por meio do nome ou do CRM. Além disso também pode visualizar a foto do mesmo e saber se foi atendido pelo próprio, assim como se o médico tem especialidade e qual é a que está registrada no Conselho. São medidas importantes, pois ajuda a coibir fraudes e atuação de falsos profissionais, ou melhor, de criminosos. O site do CREMERJ, que a população pode consultar para saber se o profissional é inscrito no Conselho, por meio do nome ou do CRM é: https://www.cremerj.org.br/servicomedico/encontre

Profissional convidado:

Dr. Walter Pallis

Médico;

Ginecologista e Obstetra;

Professor-Chefe da Disciplina de Ginecologia da Escola de Medicina Souza Marques;

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Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ/2020-2022);

Email: wpalis@terra.com.br

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