Incontinência urinária na mulher: um desafio silencioso e comum
Perda involuntária de urina afeta milhões de mulheres, impactando significativamente sua qualidade de vida
A incontinência urinária é uma condição comum que afeta milhões de mulheres em todo o mundo, muitas vezes trazendo consigo um impacto significativo na qualidade de vida. Para desmistificar essa condição e explorar suas causas, impactos e opções de tratamento, convidei o Dr. Fabricio Carrerette, médico e professor de urologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pesquisador nesta área e responsável pelo Núcleo de Disfunção Miccional da UERJ. A incontinência urinária é a perda involuntária de urina, que pode ocorrer devido ao enfraquecimento dos músculos da bexiga ou do assoalho pélvico. Isso pode ser causado por fatores como gravidez, envelhecimento, doenças neurológicas, ou até mesmo esforços físicos como tosse e espirros.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são os principais tipos de incontinência urinária em mulheres?
Dr. Fabricio Carrerette: Existem três principais tipos de incontinência urinária em mulheres:
- Incontinência de esforço: Ocorre quando há perda de urina por um aumento súbito da pressão intra-abdominal, como tossir, espirrar, rir ou fazer exercícios físicos. Este tipo de incontinência está relacionado à fraqueza das estruturas ligamentares e musculares do assoalho pélvico, é o tipo de incontinência que esta relacionado às múltiplas gestações e partos.
- Incontinência de urgência: Caracterizada por uma súbita e intensa necessidade de urinar, seguida por uma perda involuntária de urina. Está associada à hiperatividade do músculo detrusor, o músculo da bexiga que é involuntário, ou seja, não há como controlar sua contração voluntariamente. Portanto, quando ocorre sua contração, as estruturas esfincterianas de controle da urina bem como o assoalho pélvico não conseguem conter a perda de urina. A síndrome clínica que caracteriza esse tipo de incontinência é a Síndrome da Bexiga Hiperativa, quando não existe uma doença neurológica associada.
- Incontinência mista: Este tipo de incontinência é a combinação da incontinência de esforço e de urgência descritas anteriormente. É o tipo mais comum em mulheres idosas.
Existem outros tipos de incontinência, principalmente nas mulheres idosas e diabéticas, que são variações dos tipos descritos acima. A bexiga hiperativa e hipocontrátil, que é uma alteração paradoxal, pois ao mesmo tempo em que a bexiga contrai antes do momento de urinar, quando a paciente urina a contração não é suficiente para esvaziá-la completamente, ocorre pelo envelhecimento vesical e também nos diabéticos que não controlam bem a glicemia. A incontinência urinária transitória ocorre principalmente relacionada as infecções do trato urinário inferior, cistites, neste caso geralmente a incontinência é acompanhada de sintomas como ardência e dor para urinar.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são os fatores de risco para desenvolver incontinência urinária em mulheres?
Dr. Fabricio Carrerette: Vários fatores de risco podem contribuir para a incontinência urinária em mulheres, incluindo:
- Idade avançada: O envelhecimento causa mudanças nos músculos e tecidos tanto da bexiga como do assoalho pélvico. Na bexiga o músculo liso, chamado detrusor, perde fibras musculares que atuam contraindo e relaxando por fibras de colágenas e elásticas que tornam a bexiga mais endurecida e com diminuição do seu volume, o que esta relacionado aos três tipos de incontinência descritos acima.
- Gravidez e parto: O parto vaginal pode causar danos aos músculos, ligamentos e nervos pélvicos, o que pode acarretar o deslocamento da bexiga e a hipermobilidade do colo da bexiga e uretra durante os esforços, causando principalmente a incontinência urinária de esforço.
- Obesidade: O excesso de peso aumenta a pressão sobre a bexiga e os músculos pélvicos como também acarretam perda de massa muscular e alteram a sustentação do assoalho pélvico, esta relacionada aos três tipos de incontinência urinária.
- Cirurgias ginecológicas anteriores: Procedimentos como histerectomias podem afetar a função pélvica e também favorecer o desenvolvimento dos três tipos de incontinência urinária.
- Doenças neurológicas: Condições como esclerose múltipla, acidente vascular cerebral e doença de Parkinson podem afetar o controle da bexiga. Estas doenças causam a hiperatividade detrusora, que é o quadro da Bexiga Neurogênica.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como é diagnosticada a incontinência urinária nas mulheres?
Dr. Fabricio Carrerette: O diagnóstico de incontinência urinária é eminentemente clínico, ou seja, depende de uma boa história médica (conversa pessoal com o médico) e um detalhado exame físico.
- História médica compreende a avaliação dos sintomas causados pela incontinência urinária, como ocorrem as perdas urinárias, tosse, espirro, exercícios ou com a sensação de urgência que é o desejo súbito de urinar, muitas vezes a perda urinária ocorre sem sintomas ou causas aparentes. Com que frequência ocorre às perdas, intensidade da incontinência e os fatores de risco como gestações, obesidade e diabetes.
- Exame físico: Inclui exame da vulva e períneo, onde observamos o trofismovulvo vaginal que esta relacionado ao hormônio feminino, quando há diminuição da quantidade de hormônio ocorre um ressecamento da vagina, o que piora a incontinência. A força do assoalho pélvico também pode ser avaliada com um toque vaginal, normalmente esta avaliação é feita pela fisioterapia. O teste simples de esforço também pode ser avaliado no exame físico, com a pessoa deitada ou de pé. Quando deitada, podemos avaliar além da perda de urina com a tosse, a hipermobilidade da uretra que estão relacionadas a incontinência de esforço. Em pé, colocamos um papel toalha embaixo da paciente que deve estar sem as roupas de baixo, então solicitamos que ela tussa para observar se há perda urinária.
- Diário miccional: Esta é uma ferramenta muito utilizada para avaliação da incontinência urinária, é o registro da frequência, quantidade e circunstâncias da micção e da perda de urina. Auxilia muito no diagnóstico do tipo e gravidade da incontinência.
- Exame de Urina: O exame da urina – como o EAS, exame do sedimento urinário, e a Urocultura – é necessário nos casos de incontinência transitória por cistite aguda. Quando além da incontinência existem sintomas como ardência de dor para urinar, sangue na urina e dor lombar ou abdominal.
- Testes urodinâmicos: Estes exames, uma avaliação detalhada da função da bexiga e uretra (trato urinário inferior), são realizados com a colocação de catéteres na bexiga e no reto para medida das pressões da bexiga e abdominal. O procedimento é muito importante, porém pouco necessário e não deve ser utilizado como rotina. Tem suas indicações mais restritas, como na falha do tratamento, na dificuldade em fazer o diagnóstico e em casos complexos que envolvem, por exemplo,presença de doenças neurológicas, dificuldade para urinar e/ou resíduo de urina aumentado, permanência de um volume alto de urina após urinar, normalmente consideramos como resíduo pós-miccional elevado um valor acima de 80 a 100 mililitros.
- Exames de imagem: São raramente necessários. A ultrassonografia do trato urinário pode ser pedida nos casos em que a incontinência é acompanhada de sangue na urina (hematúria), dor lombar ou abdominal. Pode fazer o diagnóstico de cálculo urinário (pedra nos rins, ureter ou bexiga) e tumores ou corpos estranhos na bexiga.
- Cistoscopia: Este é um exame endoscópico que utiliza um aparelho para olhar dentro da bexiga. Pode ser utilizado para investigar outras causas de incontinência, como tumores ou pedras na bexiga.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são as opções de tratamento?
Dr. Fabricio Carrerette: As opções de tratamento para incontinência urinária em mulheres incluem:
- Modificações no estilo de vida, hábitos: perda de peso, redução da ingestão de cafeína, regular a ingesta de líquido, além dos exercícios para fortalecer o assoalho pélvico, são as principais medidas chamadas comportamentais, que fazem parte da primeira linha de tratamento.
- Terapia comportamental: Treinamento da bexiga e técnicas de controle da urgência. Esta terapia também considerada de primeira linha, como parte do tratamento fisioterapêutico, fisioterapia para incontinência urinária.
- Medicamentos: As drogas conhecidas como antimuscarínicos ou anticolinérgicos, como também os agonistas beta-3 adrenérgicos, fazem parte do tratamento medicamentoso para esta situação. Podem causar efeitos adversos com muita frequência, principalmente em pacientes idosas, portanto não devem ser utilizadas sem a orientação e o acompanhamento de um especialista. Outras classes de drogas, como a reposição hormonal local com cremes de hormônios, também devem ser utilizados sob supervisão médica. Outras drogas, como os antidepressivos, podem ser utilizados em casos refratários aos tratamentos mencionados anteriormente. São considerados ainda tratamentos de segunda linha.
- Dispositivos médicos: Os pessários e os cones vaginais podem ser usados para dar suporte ao assoalho pélvico e, além de tratar prolapsos vaginais, podem ajudar no controle da incontinência urinária.
- Intervenções minimamente invasivas: Injeções de agentes de volumeperi uretral e até mesmo a toxina botulínica (botox) injetada no músculo da bexiga (detrusor) são considerados tratamentos de terceira linha. Dispositivo deneuromodulação sacral, que é o implante de um aparelho de marca passo da bexiga pode, apesar de ser considerado também de terceira linha, ser utilizado em casos muito selecionados devido ao seu alto custo e baixa eficácia.
- Cirurgias: As cirurgias podem ser indicadas como tratamento de primeira linha em pacientes adultas jovens com incontinência urinária de esforço. Os procedimentos, como o slingsub uretral e a colpo suspensão aberta, laparoscópica ou robótica tem uma alta eficácia, com índice de cura superior a 90%. O sling pode até mesmo ser considerado como um procedimento minimamente invasivo, pois pode ser realizado com anestesia local em ambiente ambulatorial, sem internação. Por último as cirurgias mais complexas, como as ampliações da bexiga e os procedimentos ainda em estudo de reinervação vesical.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais são as implicações psicológicas e sociais da incontinência urinária?
Dr. Fabricio Carrerette: A incontinência urinária tem um impacto significativo na qualidade de vida das mulheres adultas e idosas, incluindo:
- Impacto emocional: Pode causar vergonha, ansiedade, depressão e diminuição da autoestima.
- Isolamento social: Mulheres podem evitar atividades sociais ou situações onde a incontinência possa ser um problema.
- Redução da atividade física: Pode levar a uma diminuição da mobilidade e piora da saúde geral.
- Problemas de sono: Noctúria (necessidade de urinar à noite) pode afetar a qualidade do sono e contribuir para a fadiga.
- Cuidado e dependência: Pode aumentar a necessidade de cuidados por familiares ou cuidadores profissionais, afetando a independência e a dignidade da mulher.
Por fim destacamos a importância da abordagem multidisciplinar no manejo da incontinência urinária em mulheres adultas e idosas onde urologistas, ginecologistas, uroginecologistas, fisioterapeutas, psicólogos e enfermeiros devem participar em conjunto para abordar de forma holística essa alteração tão significante. O Núcleo de Disfunção Miccional da Policlínica Piquet Carneiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NDM), do qual sou o coordenador, foi o primeiro do Brasil, inaugurado em 27 de agosto de 2016 em parceria com o Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Atendemos mais de dez mil consultas, exames, procedimentos e cirurgias por ano, com uma equipe multidisciplinar como dito acima.
Profissional Convidado:
Dr. Fabricio Carrerette
Médico e Professor de Urologia da UERJ;
Coordenador do Núcleo de Disfunção Miccional da UERJ.
Instagram:@fabriciocarrete
https://www.carretteurologia.com.br