Disforia de Gênero: novas diretrizes médicas do CFM para jovens no Brasil
No Brasil, a Resolução CFM nº 2.427/2025 proíbe bloqueadores puberais para menores, restringe hormonoterapia e fixa 21 anos para cirurgias irreversíveis.

Dr. Fabiano M. Serfaty:O debate sobre intervenções médicas em jovens com disforia de gênero ganha contornos cada vez mais complexos, exigindo equilíbrio entre avanços científicos, ética e proteção à saúde. No Brasil, a Resolução CFM nº 2.427/2025, aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, estabelece diretrizes pioneiras ao proibir bloqueadores puberais para menores, restringir a hormonoterapia a maiores de 18 anos e fixar a idade mínima de 21 anos para cirurgias com efeito esterilizador. Em um país onde o SUS se destaca como referência em saúde trans na América Latina, a norma reflete um compromisso com a segurança e a responsabilidade médica, respondendo a evidências científicas ainda inconclusivas. Por isso, convido o relator e conselheiro do CFM, Raphael Câmara, para esclarecer os pontos principais e relevantes dessa resolução tão importante, contextualizando sua aplicação no Brasil e em diálogo com experiências internacionais que reforçam a prudência adotada. Como relator da Resolução CFM nº 2.427/2025, poderia destacar os pontos mais relevantes da norma e explicar como eles fortalecem a proteção à saúde de jovens brasileiros com disforia de gênero, especialmente em um contexto onde o SUS já é referência em tratamentos hormonais e cirurgias de redesignação de gênero?
Dr. Raphael Câmara: As principais mudanças são: uso de hormônios somente a partir de 18 anos, bloqueio hormonal para disforia de gênero proibido e cirurgias esterilizantes somente a partir de 21 anos. Essas condutas estão de acordo com a portaria do ministério da Saúde de 2013 e vigente no atual governo. Uma novidade nessa resolução é que quando as queixas do paciente forem acerca do sistema genital o especialista que deve atender deve ser o do sexo biológico ao nascimento. Não tem sentido científico uma pessoa com pênis e testículo ser atendida por ginecologista quando a queixa for sobre o sistema genital. Essa situação estava provocando conflitos.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A resolução enfatiza a cautela diante de evidências científicas “fracas e inconclusivas” para intervenções hormonais em menores com disforia de gênero. No Brasil, onde a saúde mental desses jovens é uma prioridade, quais estudos ou análises embasaram a decisão de proibir bloqueadores puberais, e como o CFM garante que essa abordagem responsável protege os pacientes?
Dr. Raphael Câmara: A resolução é embasada em mais de cem estudos recentes publicados nas melhores revistas científicas do mundo. Esses mesmos estudos nortearam as decisões dos países mais avançados do mundo nessa temática como Inglaterra, Suécia e Noruega. Lamentavelmente, os grupos brasileiros que lidam com os transgêneros não publicaram absolutamente nada nesses últimos seis anos, mesmo atuando em hospitais públicos com verba pública. E ainda reclamam que não usamos dados nacionais. Como usar se não publicam?
Dr. Fabiano M. Serfaty: O SUS enfrenta desafios como filas e acesso desigual a serviços especializados. Como a resolução, ao priorizar o acompanhamento psicológico robusto antes dos 18 anos, pode aprimorar o atendimento a jovens com disforia de gênero no sistema público, promovendo uma abordagem segura e bem fundamentada?
Dr. Raphael Câmara: É função dos gestores organizar esse fluxo. O que fizemos foi dar segurança ao atendimento protegendo as crianças e adolescentes.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A norma alinha a idade mínima de 21 anos para cirurgias com efeito esterilizador à legislação brasileira de 2022, demonstrando coerência regulatória. Como o CFM garante que essa medida protege a saúde e as decisões futuras de jovens com disforia de gênero no Brasil, equilibrando responsabilidade médica com respeito à identidade de gênero?
Dr. Raphael Câmara: Era estranho a lei brasileira só permitir vasectomia e laqueadura tubária somente com 21 anos que em tese são reversíveis e autorizar retirada de útero e testículos com 18 anos que são cirurgias irreversíveis. Nós só adequamos a resolução à lei.
Dr. Fabiano M. Serfaty: No cenário internacional, a Suécia restringiu bloqueadores puberais em 2022, citando incertezas sobre benefícios a longo prazo para jovens com disforia de gênero, uma abordagem que parece alinhada à prudência da resolução brasileira. Como o CFM se inspirou em exemplos como o sueco, e o que torna a norma brasileira um modelo de referência para outros países?
Dr. Raphael Câmara: Nós nos inspiramos em países de ciência forte. A Suécia é a sede do prêmio Nobel. Além disso, países progressistas de esquerda. Já imaginávamos a gritaria que seria se citássemos, por exemplo, os Estados Unidos do Trump, mesmo sendo o país com a melhor ciência do mundo.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A Inglaterra, por meio do Relatório Cass de 2024, limitou bloqueadores puberais a ensaios clínicos para jovens com disforia de gênero, enquanto a Noruega, desde 2023, restringiu tratamentos hormonais para menores devido à falta de dados robustos. Como a resolução do CFM reflete essas tendências globais de segurança, e como ela adapta essas lições ao contexto do SUS?
Dr. Raphael Câmara: A Inglaterra é reconhecido como o país com o melhor sistema público universal do mundo e de viés progressista e com experiência de décadas nesses tratamentos. Após uma pesquisa séria e independente, concluíram que era inaceitável o bloqueio hormonal em crianças pelos altos níveis de arrependimento e destransição. Como aqui iríamos manter colocando em risco nossas crianças?
Dr. Fabiano M. Serfaty: Na Argentina, uma resolução de fevereiro de 2025 proibiu cirurgias de redesignação em menores com disforia de gênero, reforçando a preocupação com intervenções irreversíveis. Como a decisão do CFM de fixar 21 anos para essas cirurgias posiciona o Brasil na vanguarda da proteção de jovens trans, garantindo decisões mais maduras e informadas?
Dr. Raphael Câmara: Nós nem citamos a Argentina porque iriam dizer que foi pelo presidente Milei. Lamentavelmente, o debate científico acabou. Agora, querem colocar tudo como ideologia. Não existe meio termo. Isso é perigoso. Lembrar que quem dizia que a origem da covid era de laboratório chinês era chamado de negacionista. Atualmente, parece ser a hipótese mais provável. O mesmo serve para máscaras e lockdown. É um mundo estranho onde leigos querem saber mais de temas técnicos que especialistas. Importante dizer que essa resolução foi aprovada por unanimidade por conselheiros de todos os estados e das correntes políticas e ideológicas as mais diversas. Todos com alto nível acadêmico. Eu, por exemplo, tenho mestrado, doutorado, duas residências médicas, cinco especializações.
Dr. Fabiano M. Serfaty: A Finlândia adota a psicoterapia como tratamento primário para adolescentes com disforia de gênero, reservando intervenções médicas para casos bem avaliados. Como a resolução do CFM, ao fortalecer o acompanhamento psicológico, se inspira em modelos como o finlandês, e quais estratégias o senhor prevê para implementar esse suporte no Brasil?
Dr. Raphael Câmara: A nossa resolução foca muito no atendimento psicológico e psiquiátrico para evitar o excesso de diagnóstico que vem ocorrendo nos últimos anos e que leva em última análise às altas taxas de arrependimento e destransição.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Enquanto países como a Bélgica facilitam o acesso a cirurgias de redesignação para maiores de 16 anos com disforia de gênero, a França, em 2022, alertou sobre o risco de sobrediagnóstico em jovens. Como o CFM equilibrou essas abordagens internacionais para criar uma norma que protege a saúde de jovens trans brasileiros, mantendo o Brasil como referência em ética médica?
Dr. Raphael Câmara: Nós estudamos as condutas de todos os países com tratamento de excelência nessa temática e a resolução é exatamente uma conclusão desse estudo.
Dr. Fabiano M. Serfaty: O Uruguai, com sua Lei Integral para Pessoas Trans de 2018, garante acesso a tratamentos, mas não aborda especificamente a segurança de intervenções em menores com disforia de gênero. Com o pioneirismo do SUS, como a Resolução nº 2.427/2025 consolida o Brasil como líder regional, oferecendo um modelo de cuidado que combina inclusão com rigor científico e pode inspirar a América Latina e o resto do mundo?
Dr. Raphael Câmara: O Brasil como o maior país e a melhor ciência da América Latina muito provavelmente fará com que os outros países da nossa região nos sigam. E continuaremos atentos às novas evidências. A ciência muda diariamente e devemos nos pautar sempre nela e não em ideologias! O CFM é o bastião da ciência, da moderação, da ética médica e da busca incessante para o melhor da medicina e da saúde da população e o melhor atendimento científico e com dignidade e excelência para os transgêneros é nosso norte.
Fonte:
- Resolução CFM nº 2.427/2025. https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2025/2427_2025.pdf