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Fabiane Pereira

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E o que eu tenho a ver com isso?

Quem não conhece a verdade não passa de um tolo mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso. Brecht.

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Atualizado em 28 Maio 2020, 14h34 - Publicado em 28 Maio 2020, 14h14
 (/Reprodução)
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INTERTEXTO

Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso / Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis / Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados / Mas como tenho meu emprego / Também não me importei

Agora estão me levando / Mas já é tarde.

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Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo.

 

Certamente você já leu, ouviu e até compartilhou esse poema de Bertolt Brecht, dramaturgo alemão (1898 – 1956), em suas redes sociais. Mas me pergunto se você entendeu cada frase desse poema. Desculpe, caro leitor, não me leve a mal. Não quero soar arrogante mas me diga o que você fez quando soube que Aurora perdeu o emprego apesar de ter um patrão milionário e quatro filhos pra criar?

E quando a Helô te ligou para dizer que manteve o emprego em home office mas que sua saúde mental “foi pro saco” (benditam sejam as gírias!)? Você a chamou, mentalmente, de exagerada e ingrata, não foi?

Lembra do Tiago? Vocês foram, por um bom tempo, melhores amigos mas se afastaram porque, como já me disse, há uma linha invisível chamada “moral” que permite que uma amizade se mantenha, e votar em fascistas ultrapassa todos esses limites. Então, o Tiago acreditava piamente que o vírus era uma invenção comunista e que o óleo ungido pelo pastor da igreja iria curá-lo de todos os males. Poxa, ele morreu semana passada e você, católica fervorosa, quando soube da notícia disse em alto e bom som: bem feito, antes ele que eu.

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Já a tia Márcia, tadinha, sempre tão orgulhosa dos dois filhos serem médicos, não consegue mais dormir – nem com tarja preta – porque ambos trabalham em hospitais públicos e vivenciam uma ingrata realidade que vai de encontro com o negacionismo das inúmeras pessoas que ela vê correndo, diariamente, na orla, pela janela de seu apartamento, na Vieira Souto. Mas você perdeu o contato com a tia Márcia há tanto tempo que não se importa se ela está em frangalhos e se seus filhos, que estudaram com você no 7º e 8º ano da escola, estão exaustos física e mentalmente, não é mesmo?

O Bruno, um dos profissionais mais brilhantes que cruzou seu caminho, ignorou a quarentena acreditando que seu histórico de atleta não o faria se abater por uma gripezinha. Agora, coitado, está há duas semanas entre a vida e a morte num hospital público da zona oeste do Rio. Quem também está com o pulmão totalmente comprometido é a Gabriela, aquela jornalista metida a celebridade que você segue no Instagram. Parece que foi contaminada depois de dar uma festinha petit comitê em sua mansão no Joá.

Saber que a Diná, mulher que durante anos você chamou de “mãe preta”, tem apanhado diariamente do marido nesse isolamento social fez você pensar em ligar pra ela. E isso é louvável! Mas aí uma outra coisa te chamou a atenção e você perdeu o “time”, poxa. Vale dizer que você leu em vários sites que a violência doméstica aumentou em até 50% em alguns estados brasileiros no período da pandemia e que a maioria dos casos aconteceu dentro de casa mas já faz tanto tempo que você não fala com a Diná que é melhor não se meter, né?

Quando a Lúcia te contou que a Vivian, amiga que você “adora”, não consegue mais dormir porque além de estar grávida de seu primeiro filho e viver essa experiência sem qualquer parceiro do lado, acabou de ser dispensada do trabalho porque não dá pra manter uma mulher grávida em home office, você pensou: ah, ela é safa e jájá se recolocará no mercado de trabalho.

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Pois é…ao saber de tudo isso e não fazer nada penso que as entrelinhas do poema de Brecht não foram lidas com atenção. E sabe o que é pior? Sou eu e você não nos sentirmos representados nesse texto.

Acredite, nenhum de nós será como éramos antes dessa experiência impensável. Como se alegrar após presenciar tanta tristeza? Como celebrar um novo emprego com uma curva crescente de desempregados? Como postar fotos de uma mesa farta com tanta gente passando fome? Como desejar a volta de uma normalidade que nunca existiu? Como continuar calado diante do fascismo?

Caetano já disse: “é preciso estar atento e forte”. E agora mais do que nunca, vivo.

Para encerrar essa coluna que é musical por essência e assertiva por obrigação moral, volto ao Brecht: “quem não conhece a verdade não passa de um tolo  mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso.”

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*essa coluna é livremente inspirada num texto de autoria desconhecida que foi compartilhado em grupos de WhatsApp.

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