Preta Gil: a voz, o corpo e a coragem de ser inteira até o fim
O imenso legado de uma artista que não ficou à sombra do pai
Morreu no último domingo (20), aos 50 anos, a cantora, empresária e apresentadora Preta Gil, vítima de um câncer no intestino diagnosticado em janeiro de 2023. A artista estava em Nova York em busca de tratamentos experimentais após a doença ter evoluído para um quadro de metástase. A notícia foi confirmada pela família e comoveu o Brasil inteiro. Bom, isso você já sabe.
O que, talvez, você precise saber é que a filha do cantor Gilberto Gil poderia ter seguido à sombra do pai — mas escolheu se fazer luz por conta própria. Sua estreia, em 2003, com o disco Prêt-à-Porter, já deixava claro que ela não estava nesse planeta para ser discreta: estampou o encarte do álbum completamente nua, mostrando que o corpo — o dela, o nosso, o de todos — não era lugar de vergonha, mas de afirmação. Foi essa ousadia, esse afeto e essa verdade que a transformaram não apenas em uma artista, mas em um símbolo.
Preta Gil foi uma das primeiras figuras públicas brasileiras a defender abertamente pautas feministas, antirracistas e LGBTQIA+ com o coração aberto, o microfone na mão e os pés no palco. Seu bloco no Carnaval carioca, o Bloco da Preta, criado em 2009, arrastou multidões no Centro do Rio e tornou-se um espaço de celebração da liberdade, da diversidade e da alegria como resistência. Em cada microfone que pegava, falava de aceitação, de autoestima, de amor-próprio e de sororidade — muito antes desses termos virarem hashtags. Por isso, ontem, o prefeito Eduardo Paes veio a público dizer que deu o nome de “Preta Gil” ao Circuito de Blocos de Carnaval de Rua da cidade.
Empresária de visão, criou a Music2Mynd, agência que se tornou referência no marketing de influência digital. E mesmo quando esteve longe dos palcos, jamais deixou de ser voz ativa: na televisão, nos bastidores, nas redes sociais e nas ruas. Preta Gil usou a fama como ferramenta de transformação — sua arte e sua atitude abriram caminho para outras mulheres hoje poderem ser tudo o que quiserem, apesar de ainda sermos muito julgadas.
Nos últimos dois anos, travou uma batalha intensa e pública contra o câncer. Nunca escondeu a realidade do tratamento. Pelo contrário: dividiu com o público cada passo, cada cicatriz, cada transformação. Após a cirurgia de remoção do intestino, passou a usar uma bolsa de ileostomia e não recuou: deu entrevistas, posou, fez piada, emocionou. “Nunca me revoltei, nunca me deprimi”, disse à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo. Seu corpo, mais uma vez, foi território de verdade e resistência.
Mesmo enfrentando uma das fases mais difíceis de sua vida, precisou lidar também com a dor da separação e da traição (e aqui nem vou me prolongar porque aquele traste não merece sequer ser citado). E novamente não se escondeu: falou abertamente sobre isso, recebeu apoio massivo e transformou sua dor em discurso de força. Preta era assim — inteira, mesmo quando partida. Generosa, mesmo ferida. Alegre, mesmo em meio à luta.
Sua última aparição pública foi ao lado do pai, Gilberto Gil, no show Tempo Rei. Na ocasião, ela emocionou a plateia, o Gil e a todos nós porque, de alguma forma, já sabíamos que aquele momento era sua despedida. “O palco é o melhor lugar para comemorar a vida”, ela sempre fazia questão de dizer. Quando a doença voltou com mais força, buscou esperança em tratamentos fora do país. Mesmo debilitada, nunca deixou de alimentar a esperança — sua e dos outros.
Preta Gil deixa saudade, mas deixa também um legado gigante: como artista, como empresária, como filha, como mãe, como mulher que nunca se calou. Deixa sua música, sua coragem, sua alegria. Deixa um grito que diz que é possível ser exatamente quem se é — com orgulho, com irreverência, com amor.
A Preta se foi. Mas sua voz vai seguir ecoando, forte e necessária, por muitas e muitas gerações. Um beijo imenso ao Fran, seu filho, a Sol, sua neta e aos seus amigos inseparáveis, Malu Barbosa, Gominho e Jude.
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