Juliane Gamboa, a jovem artista indicada ao Grammy Latino
Conheça o álbum de estreia da cantora e compositora que promove um mix de influência musicais, Jazzwoman.

A lista dos indicados ao Grammy Latino saiu hoje e alguns nomes me pegou de surpresa. Um deles foi o da jovem cantora Juliane Gamboa na importante categoria Artista Revelação. Conhecida em nichos do circuito carioca, mas nascida em Petrópolis (RJ), Juliane lançou em novembro passado o álbum, Jazzwoman (Biscoito Fino). Digo que o nome da artista me pegou de surpresa porque eu não a conhecia, mas imediatamente fui ouvir seu disco e “cha-pei”. Fortemente influenciada por grandes intérpretes e compositores do samba, da MPB e do jazz, Juliane mistura e atualiza referências, reverberando um pouco de tudo que lhe interessa.
Filha de pai percussionista, samba e pagode foram a trilha sonora da primeira infância de Juliane. Com o passar dos anos, novas informações musicais foram chegando. “Quando a nossa família se tornou religiosa, passamos a ouvir muita música católica, que já tinha bastante influência jazzística. Também fui uma criança muito fã de Michael Jackson, que me levou ao soul, ao R&B, ao hip hop, e mais tarde ao jazz”, pontua Juliane. Através da sua mãe, fã de Milton Nascimento, Nana Caymmi, Elis Regina, Elza Soares, Jovelina Pérola Negra e Djavan, se aproximou da MPB na adolescência, “já tocando violão, e entendendo que a música deles era um caminho que me interessava bastante”, complementa.
Juliane Gamboa compôs “Transeunte”, música que abre “Jazzwoman” e que, segundo ela, elabora todo o disco. “Ela fala de um desejo enorme de experimentar um pouco de tudo, transitar, fluir com o próprio corpo, e assim criar a sua própria subjetividade de forma mais expandida”. É da avó da cantora, Néa Martins, a voz que se ouve em três vinhetas, que surgem em pequenos interlúdios para narrar o álbum.
“Jazzwoman” toca na autonomia da mulher preta, no poder e criatividade, na magia que ela tem ao mover universos a partir de seu axé. A narrativa musical reflete sobre a ancestralidade em “Banzo” (Marcos Valle e Odilon Olynto), com citação de “All Africa”, e “Herança”, de Rômulo Fróes e Alice Coutinho; esbarra na melancolia de “20 anos blues”, clássico de Vitor Martins e Sueli Costa; reafirma a sensualidade em “Eu sou mulher” (Filó Machado e Judith de Souza) e “Paracaê” (Thati Dias); inspira liberdade em “Vozes-mulheres” e “Transeunte”, e louva o poder da imaginação radical das mulheres negras em “Sonho Juvenil” (Guará) e “Solitude (Reimaginada)”(Duke Ellington, Eddie Delange, Irving Mills), homenageando Jovelina Pérola Negra e Billie Holliday, duas fortes referência para Juliane Gamboa.
A tradição do jazz se faz presente no álbum, mas a autoridade está nas mãos do improviso, das tecnologias e da espiritualidade. “Com arranjos de Lucas Fixel e direção musical compartilhada comigo, trabalhamos com um repertório de canções de dentro e de fora do universo do jazz, buscando trazer cores que dialogassem com a história que está sendo contada. A sonoridade traz uma atmosfera bastante espiritual e profundamente íntima, pois percebo a individualidade como algo muitas vezes negado às mulheres negras por conta dos traumas da escravização que continuam a reverberar, mesmo após tantas gerações”, reflete Juliane.
Antes de “Jazzwoman”, Juliane Gamboa havia lançado os singles “Vambora” (2020) e “No Espelho” (2020), além de duas faixas que aqueceram a chegada do novo álbum às plataformas. Como cantora, colaborou com artistas como Zélia Duncan, Ana Costa e Preta Gil. “Eu sou uma artista ‘transeunte’, gosto de beber de diversas fontes. A Preta Gil, para mim, é uma verdadeira jazzwoman: uma mulher que rompeu o silêncio diversas vezes para defender as minorias. Estar ao seu lado como backing-vocal me serviu de inspiração para continuar cumprindo o meu papel, no meu próprio nicho. No trabalho com Zélia e Ana, em ‘As Sete Mulheres pela Independência do Brasil’, além de cantar, tive uma aula de história a partir de letras que narram e poetizam a história – muito apagada – de mulheres que foram essenciais no processo revolucionário”.
Em “Jazzwoman”, Juliane Gamboa trafega com segurança por vários estilos e influências musicais, dando coesão a um repertório plural e intimamente ligado às suas convicções como mulher e artista negra. “Cantar, pra mim, é romper o silêncio pela minha dignidade, pelo meu descanso, pelo meu prazer. Eu confio no autocuidado e no autoamor como estratégias do povo preto contra o racismo. Sendo artista, estando neste ofício de criar e portar a voz, é a mensagem principal do meu trabalho”.
Agora é torcer para que ela leve a estatueta na categoria que concorre.