Um bocadinho de Chico para aliviar o desassossego tricolor
Que tal um samba porreta, um banho de sal grosso, um banho de mar, um trago? Os versos do poeta alentam e inspiram a busca da virada
Futebol na veia, velas no bolo, Chico merecia coisa melhor do Tricolor. Deixa estar. Aos colegas de pavilhão, lembra: a vida roda igual pião, amanhã há de ser outro dia.
Eles agonizam que nem mendigos. Vasculham farelos do time ressecado de beleza, de sangue, de orgulho.
Tal qual a Rita, o Flu desbotado rouba o sorriso, o som, a festa. Às gargantas emudecidas de gol, sobram lamentos.
Os olhos murcham como se uma nuvem radioativa exterminasse a esperança, aposentasse o sonho. Catam, na bruma interminável, alguma reza, alguma mentira confortante, alguma banda que alivie o sofrimento e os faça novamente flutuar como um pássaro.
Sob os escombros, pesa um vazio daqueles que só o desamor conhece. Memes debochados fagulham nas redes como confetes que se amontoam no chão do carnaval deixado para trás.
Nem as cartomantes ou os profetas infalíveis, nem os apocalípticos, muito menos os algoritmos imaginariam tamanha implosão. O campeão da América reduzido a uma foto na parede.
O veterano, a promessa, o técnico, o presidente, o VAR, o gandula, nada mais presta. Novas e velhas genis cavam um buraco fundo. “O que será que será?”, martela o peito angustiado. Parece o apito de um navio sem volta para o inverno.
Num desassossego assim, Chico é mão estendida. Jamais deixou de depurar os pesadelos que “a gente vai levando de teimoso e de pirraça, e a gente vai tomando, que também sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”.
Retratista d’alma, entende como ninguém o torcedor magoado: “Olha a voz que me resta, olha a veia que salta, olha a gota que falta… Por favor, deixa em paz meu coração”. Mesmo arredios à piedade, os deuses da bola uma hora acodem.
Sem subestimar a barra, Chico espana o fatalismo. Afinal, no jogo de bola “há que levar um drible por entre as pernas sem perder a linha, há que aturar uma embaixadinha como quem tira o chapéu pra mulher que lhe deu o fora”.
Com a clareza de quem fala a língua dos anjos e traduz genialmente nosso Brasil, o poeta tira da manga a redenção: um samba porreta. Ave, Chico!
“Puxar um samba, que tal?
Para espantar o tempo feio
Para remediar o estrago
Que tal um trago?
Um desafogo, um devaneio
Um samba pra alegrar o dia,
pra zerar o jogo
Coração pegando fogo
E cabeça fria
Um samba com categoria, com calma
Cair no mar, lavar a alma
Tomar um banho de sal grosso, que tal?
Sair do fundo do poço
Andar de boa…”.
Os versos de Chico têm força de oração. Uma hora os deuses escutam. Enquanto isso, sua cumplicidade melódica é um alento:
“Torcer pelo Fluminense, modéstia à parte, requer outros talentos. Precisa saber dançar sem batucada…”
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A obra de Chico Buarque mistura e alegra todas as cores do mundo. Singela homenagem aos 80 anos do compositor, escritor, tricolor, este texto reúne alusões às seguintes obras-primas:
Roda viva
Apesar de você
A Rita
A banda
Construção
Geni e o zepelim
O que será? (À flor da pele)
Gota d’água
Meu caro amigo
Jogo de bola
Que tal um samba? (Rima perfeita com o divino bandolim de Hamilton de Holanda.)
Um tricolor em Roma (Crônica publicada no Pasquim, em 1969.)
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Cinema também é esporte
As inscrições para a sexta edição do CineEsporte – Festival de Cinema de Esportes estão abertas até o dia 2 de julho Podem participar produções de curta, média e longa-metragem. O regulamento encontra-se disponível em cineesporte.com.
O CineEsporte exibe, em agosto, no Rio, mostras competitivas internacionais e mostras especiais. A entrada é franca.
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Na cadência da Copa América
Xande de Pilares anima a abertura da Fan Zone Conmebol Copa América, nesta segunda (24), a partir das 17h, na praia de Copacabana (altura do Posto 2). O show aquece a torcida para a estreia brasileira na competição, contra a Costa Rica, às 22h.
Já na sexta (28) é a vez de o Fundo de Quintal embalar a galera antes da exibição de Brasil x Paraguai, também às 22h. Com entrada franca, o espaço à beira-mar abriga também DJs e atrações gastronômicas.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.