Um apelo para preservar a integridade do espetáculo esportivo
Do imaginário, mãe de juiz roga para o VAR amadurecer, cumprir promessa de abolir o erro crasso e interferir só o necessário no jogo

O VAR a encheu de esperança. Na contramão do algoritmo, tudo o que ela quer é sombra. Alarme falso.
A tecnologia, por enquanto, não a livra da berlinda. Pelo contrário. “Achava que ganharia algum sossego. Piorou”, desabafa, indignada como uma vítima de estelionato.
Sem dispensar o espírito maternal, abandona o resignado silêncio e encaminha, do imaginário, carta aberta aos regentes do nosso futebol. Um oportuno apelo:
Prezados cartolas,
Volta e meia pegam demasiadamente pesado com os árbitros, como se fossem infalíveis ou mal-intencionados. Só falta culpá-los pela morte da Odete. Pensei que o vídeo aliviaria a barra. Ingenuidade. Minhas orelhas não param de ferver.
Jamais presumi que a novidade extinguisse a falha humana, tampouco os desaforos à minha pessoa. Espinafrar mãe de juiz é quase um traço genético da arquibancada. Difícil abolir, eu sei.
Imaginava, contudo, que a radiografia eletrônica revogasse ou rareasse o erro grosseiro, aquele que faz a galera logo se lembrar de mim. Aquele cuja recorrência prejudica tanto o mérito esportivo quanto a credibilidade do jogo e, claro, do negócio.
Não advogo só em causa própria. Erros crassos causam estragos menos prosaicos do que o xingamento machista, confundido com folclore, e teorias da conspiração comuns às resenhas.
Erros assim, escandalosos, costumam adulterar o curso e o resultado da partida, às vezes até da competição. Ameaçam planejamentos, investimentos, futuros. Estranho o pragmatismo econômico ainda não tê-los erradicado.
Os cometidos ultimamente transbordam reclamações e polêmicas entre torcedores, clubes, analistas. Descontados os excessos, é preciso reconhecer que mantêm uma frequência acima do aceitável.
A reincidência desses erros merece a intolerância dedicada aos absurdos temerários, em vez dasfórmulas protocolares: advertência, suspensão, curso de reciclagem, promessas de correções e aperfeiçoamentos. Velhas receitas passam longe do desejável antídoto.
Encontro dificuldade para compreender por que parte dos erros crassos continua resistente ao BBB nos gramados, às câmeras e computadores que tudo deduram, inexplicavelmente imune ao replay. Nem as superbactérias detêm tamanha resiliência.
Torço para a efetiva profissionalização se consumar. Torço para que o VAR amadureça e o uso dos avanços tecnológicos preserve o entretenimento, a integridade do espetáculo, a confiança no futebol. Não parece tão complicado.
Nunca é fácil ou ligeira uma mudança cultural, eu sei. Mas acreditem: as prosas nos bares, nas praças, nas mesas-redondas podem sobreviver à extinção do erro crasso. Aí, com sorte, me deixam um pouquinho em paz.
Eu me despeço com um conselho solidário: contenham a tentação de aparecer mais do que o jogo, do que os atletas. Palavra de quem é escaldada com o mundo da bola.
Cordialmente,
Uma mãe esperançosa
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.