Sob a bênção do passinho, sotaque carioca acentua ascensão do breaking
Encontros entre medalhistas olímpicos e craques brasileiros, no Rio, reforçam mistura sociocultural avessa a fronteiras
Caçula olímpico, o breaking intensifica o compasso da dança de rua no Rio e no Brasil. É voz do morro, do asfalto, da juventude em carne viva. Mistura-se ao funk, ao charme, ao passinho, ao samba, num coquetel avesso a fronteiras.
Acima dos holofotes de Paris 2024, o breaking reluz a prosa e a poesia das esquinas. Afina-se à cultura e à irreverência cariocas. Assim retrata a reportagem de Enzo Krieger sobre os encontros, na cidade, entre medalhistas olímpicos e bambas nacionais. “Estamos conectados pela língua do breakling”, resumiu a campeã olímpica Ami Yuasa, num papo com o repórter. A coluna publica, abaixo, um trecho dessa crônica da ginga urbana:
Estrelas internacionais do breaking, esporte estreante na Olimpíada de Paris, ganharam o Vidigal na tarde ensolarada de 17 de setembro. O treino aberto no centro cultural Visão, parte da Tour de All Stars do Red Bull BC One pela América Latina, embalou uma reunião de craques no alto da favela.
A japonesa b-girl Ami (Ami Yuasa), primeira medalhista de ouro olímpica da modalidade; o holandês b-boy Lee (Lee-Lou Demierre); o austríaco b-boy Lil Zoo (Fouad Ambelj) e o venezuelano b-boy Lil G (Gibrahaimer Beomont) mostraram por que estão entre os melhores do mundo. Os brasileiros b-boy Leony (Leony Pinheiro), pentacampeão nacional, e b-girl Toquinha (Naiara Xavier Santos), atual campeã da etapa brasileira, também prenderam a atenção de todos.
A atividade se estendeu até a noite, como numa boa roda de samba – regada a troca de experiências, conversas, risos, e até futebol. O entardecer com hip-hop, dança e vista do mar reuniu várias gerações do esporte: dos gêmeos Sankler Jorge e Jorge Luciano Neres de Carvalho, que praticam há quatro décadas, ao b-boy Menor Dog (Lorenzzo de Alexandre), de 10 anos.
Um dia antes do encontro, os astros aprenderam, em Manguinhos, na Zona Norte, o ritmo do passinho, patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro. Experiências somadas à preparação para as finais do Mundial de breaking 1×1, o Red Bull BC One, que serão disputadas na Farmasi Arena (Parque Olímpico), na Barra, dia 7 de dezembro.
Para Ami Yuasa, “aprender novos movimentos foi enriquecedor”. Ela acredita que o passinho em Manguinhos e a tarde no Vidigal agregaram habilidades à dança: “Fico muito animada por estar aqui com os brasileiros. O breaking é um jeito de se conectar com as pessoas, compartilhar coisas, mesmo que não falemos a mesma língua”, ressaltou a campeã olímpica. Ami ensinou movimentos para as brasileiras e dançou com Andressa Colares, a b-girl Dressa, apresentadora do Red Bull BC One Cypher, em julho, no Circo Voador.
Lee também estava feliz com as conexões cariocas. Filho de uma dançarina de breaking, ele reconhece que sofreu um (doce) choque cultural no tour pelo Rio: “Cresci em Amsterdã. O jeito que as pessoas vivem aqui é muito diferente. Há muito amor. Tudo que é feito no Brasil vem do coração. É um país rico em alegria. Aprender o passinho foi uma loucura, bem difícil, mas inspirador”.
Leony lembrava que o esporte e a cultura do breaking caminham de mãos dadas. O brasileiro exaltou o intercâmbio de manobras e costumes com os craques estrangeiros. “Isso mostra que são pessoas comuns, que chegaram lá com muito trabalho. Trazer essa galera para interagir com quem busca atingir o lugar deles é um ótimo incentivo”, empolgou-se.
Lee e Leony impressionaram a galera com as power moves, manobras dinâmicas, acrobáticas e contagiantes. Os dois se divertiram juntos, e viram Sankler Jorge, Jorge Luciano e Menor Dog agitarem a pista de dança montada na favela.
Um rodinha de altinha, singelamente incorporada ao programa, despertou sorrisos e aprendizados. Dançarinos combinaram a agilidade do breaking com as habilidades do futebol. Numa síntese da simbiose sociocultural capitaneada pela dança de rua, Ami, Lee, Lil Zoo e Leony acabaram jogando bola num campinho de terra atrás do centro cultural, e até fizeram gols. Craque é craque…
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No embalo do Cristo
Domingo agora (29) 1.200 corredores subirão a Floresta da Tijuca na já tradicional Meia Maratona do Cristo. Serão oxigenados por cartões-postais como Paineiras, Vista Chinesa, Mesa do Imperador, até a recompensa panorâmica aos pés da estátua.
Os percursos de 21 e 10 quilômetros reunirão participantes de 20 estados, também dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Holanda. Um reflexo do impulso ao turismo empreendido pela corrida de rua na cidade.
Depois da prova, a confraternização seguirá com um café da manhã musical no Largo do Boticário. Organizada pela Effect Sports, com a Tribus Adveture, a quarta Corrida Maravilhosa faz parte dos programas que celebram o aniversário do santuário (12 de outubro).
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.