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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Skatista coleciona saltos incansáveis sobre o impossível

Cego de nascença, Fernando Araújo, de 29 anos, arrebata a galera com manobras em competições: "Quando subo no skate, não me sinto deficiente"

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25 ago 2023, 23h43
Skatista Fernando Araújo com a prancha na mão
 (Reprodução/Divulgação)
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Fernando Araújo  devora o impossível com a naturalidade de super-herói e o apetite por adrenalina comum aos jovens. Cego de nascença, voa feliz sobre rampas urbanas. “Difícil é depender dos outros”, pondera o simpático craque de 29 anos.

A autonomia revela-se seu grande pódio. Desde a infância pavimentada nas ruas de Jacarepaguá, o jovem se vira para colecionar práticas esportivas: futebol, natação, judô, bicicleta e seu xodó, o skate. “Ele me dá uma sensação de liberdade incomparável”, justifica.

A preferência transformada em profissão impulsiona as seis horas diárias ao lado do treinador, Leonardo Scott, no Recreio (Posto 12). Sua técnica consagra a originalidade e a perseverança que lhe rendem sucesso competitivo, fãs no Instagram, beijos da namorada Beatriz.

“Primeiro, mapeio a pista com a bengala. Aí eu a uso para calcular o tamanho, a altura e a distância de cada obstáculo”, explica o skatista. Nem os engenheiros da Nasa fariam melhor.

Fernando leva o método para Salvador neste fim de semana, quando disputa o Circuito Nacional Banco do Brasil. Sonha estender a façanha à Paraolimpíada e, principalmente, aos X-Games, cultuados já nos primeiros encontros entre o seu espírito aventureiro e o esporte.

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Aos 3 anos, o garoto mergulharia irreversivelmente nesse universo. Duelava com o irmão Eduardo no game Tony Hawk. Das penumbras que os 20% de visão lhe permitiam, extraía toda alegria do mundo.

Era questão de tempo até as manobras virtuais se deslocarem para o asfalto. A contragosto dos pais, o irmão lhe deu um skate de verdade. O mundo se tornava infinito.

“Gostava de brincar na rua. Sempre fui raiz”, brinca. “Andava deitado igual surfe, sentado, em pé. Nunca deixei minha deficiência me limitar”, orgulha-se.

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Alma de passarinho, fez um pouco de tudo. Correu, nadou, pedalou, jogou bola com a turma do bairro. “Só levei susto na bicicleta”, garante. Seguiria carreira no judô, não fosse o reencontro com o skate numa viagem a Santos, em 2011. “Andei na pista do Charlie Brown. Descia, dava uma batidinha e voltava. Matei a saudade”, conta.

A paixão redescoberta se inflamaria a partir de rolezinhos pelo Parque Madureira e de uma inesquecível tarde na pista de Campo Grande. “Lá aprendi a dropar, a executar manobras mais difíceis. Tentei até conseguir. Aí a galera me abraçou”, lembra, amarradão.

Aqueles giros e saltos venciam, além da gravidade, o preconceito, a desconfiança, o destino. “Quase todos à minha volta me chamavam de doido. Mas segui em frente”, comemora. Ingênuo é quem duvida da determinação cultivada por Nando atrás dos céus que decide alcançar.

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Dali em diante, ele engrenaria uma rotina crescente de treinos e competições de STU (Skate Total Urbe) e Street. “Tentei conciliar com o judô, mas não deu. Percebi que estava fazendo dois esportes pela metade”, confessa.

Filiado ao Núcleo Escola de Skateboard (NES), no Méier, onde participa de projetos sociais, Fernando consolidou a vocação sob as graças do subúrbio: “Quando me dei conta, estava dropando na half pipe (pista em forma de “u”) de Madureira. Parecia estar nos X-Games. Surreal”.

Passaria a treinar com Leo em 2018. A dupla levou 36 meses para desenvolver e aperfeiçoar a tal técnica da bengala. Seria recompensada com vitórias, medalhas, com o calor das arquibancadas físicas e digitais. Nando, claro, gerencia os vídeos postados nas redes.

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Alguns convidados têm a oportunidade de enfrentar, por um minuto, as rampas sem vê-las. O ex-campeão mundial de skate Pedro Barros, prata nos Jogos de Tóquio, foi um dos que toparam a brincadeira. “Ela ajuda a mostrar que a atividade não é perigosa e que o esporte é uma grande fonte de inclusão”, ressalta Fernando.

A história do skatista cego indica, entre outras inspirações, a importância de uma convergência pública e privada para democratizar as atividades esportivas adaptadas. Nada mais eloquente do que a singela constatação de Fernando:

“Quando subo no skate, não me sinto deficiente”.

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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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