Retrato do torcedor eternizado no lampejo do êxtase
André Coelho revela bastidores de flagrante da comemoração alvinegra, uma das 42 fotografias premiadas pela World Press Photo à mostra no Rio

Gol decisivo abre uma vertiginosa fenda temporal. O êxtase eternizado que nem o soco no ar de Pelé. Ali torcedor vira Pelé.
Ali, num lampejo vadio, os anjos nos apartam de tudo que não é coração. Os poetas entendem.
Ali abraçamos ardorosamente o desconhecido ao lado. Ali jorramos alma num grito vulcânico. Ali choramos o choro dadivoso do filho que chega. Ou apenas silenciamos, com o fervor devotado aos milagres.
André Coelho fisga essa sublime faísca. O flagrante dos alvinegros em carne-viva, exultantes com a iminente conquista da Libertadores, é uma das 42 fotografias premiadas pela World Press Photo 2025 à mostra na Caixa Cultural.
“A foto representa o aficionado que põe a vida de lado para torcer por seu clube. É o caso do Eduardo, que leva a mulher grávida ao estádio lotado para ver, pela primeira vez, o time do coração ganhar um título. E ela, mesmo sem ser botafoguense, veste a camisa para incentivá-lo, agradá-lo”, observa Coelho. Comovido e orgulhoso com o simbolismo retratado, ele acrescenta:
“É o caso também do Breno, que vê o Cadu andando de um lado pro outro, na comemoração, sem amigo por perto, e vai abraçá-lo. É isso que a imagem expressa: paixão”.
André Coelho está acostumado às pulsações urbanas. Há dois anos no escritório carioca da agência EFE, o craque da fotografia explica por que o abraço de Breno e Cadu protagoniza a narrativa:
“Cadu havia chamado a minha atenção. Ele zanzava sozinho, emocionado desde o início do jogo. Um personagem interessante de fotografar. Eu buscava justamente a emoção diante da conquista por vir. Quando fiz a foto, sabia que tinha algo especial, por conta do abraço no centro do quadro. Como era um momento crucial, o Botafogo acabava de marcar o terceiro gol, o ápice chegando, não podia me dar ao luxo de analisar a foto: corria o risco de perder outra tão boa quanto aquela. Depois, na hora de editá-la e transmiti-la, comecei a perceber suas nuances, suas camadas: os casais à direita e à esquerda, o beijo na mulher grávida, o rapaz enrolado à bandeira”.
Irradiada pela lente de Coelho, a epifania em preto e branco extrapola os 3 a 0 sobre o Galo, a consagração continental, as rezas atendidas. Extrapola o Nilton Santos apinhado para festejar o inesquecível 30 de novembro. Nela reluz, acima de escudos, a aquarela humana prosaicamente revelada na fenda do gol apoteótico.
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Medina eternizado
Outro flagrante esportivo de contorno doméstico brilha na exposição recém-chegada ao Rio. Habituado às manhas do surfe, o fotógrafo francês Jerome Brouillet, da AFP, capta o extraordinário em meio às ondas da disputa olímpica no ano passado: Gabriel Medina em pé sobre o mar, pose de Netuno, lado a lado com a prancha, braço erguido num aceno vitorioso. O clique cirúrgico e as demais vencedoras do concurso anual da World Press Photo podem ser vistas até 20 de julho na Caixa Cultural (Rua do Passeio, 38, Centro).
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Ovos para o omelete
Banhado pelos holofotes, Carlo Ancelotti inicia a missão de reaver o viço, a identidade e o pódio mundial da Canarinho. Currículo não lhe falta. Mas reunirá ovos suficientes para o sonhado omelete?
Nenhuma novidade oxigena a cesta de convocados. A estiagem de armadores se prolonga.
Nunca se viu equipe prodigiosa sem um ou dois maestros. Se o pentacampeão da Champions operar tal proeza, Harry Potter lhe pedirá conselhos.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.