O indispensável caminho da transparência
Sem o polimento da governança, clubes seculares ficarão opacos para investidores e consumidores
Doces clubes do nosso futebol encaram um Dia D. Ou tornam-se integralmente profissionais, e embarcam no século 21, ou afundam abraçados às saudosas glórias.
O embarque independe do ensaio para a sonhada liga de padrão internacional. Tampouco condiciona-se à entrada na onda da Sociedade Anônima (SAF), convertida em salvação de lavouras infestadas de dívidas.
Práticas empresariais não renegam raízes associativas. Pelo contrário, potencializam tradições e identidades sem as quais clubes não teriam virado invejáveis fontes de paixão e consumo.
Processos avançados de gestão e marketing constituem, antes de tudo, uma cultura organizacional. Uma imunização contra o patrimonialismo que entope as artérias brasileiras.
Tal cultura deveria preceder passos como uma mudança para SAF; como a criação de uma liga espelhada nas franquias americanas; como a renegociação dos direitos de transmissão imposta pelo novo tabuleiro midiático; como o incremento de produtos e experiências sob o compasso digital. Movimentos à beira do impreterível.
Transformações assim esboçam um divisor de águas. Redimensionam a fronteira profissional demarcada lá pelos anos 1940, cujo amadurecimento sistematicamente esbarra no clientelismo, empaca em cirandas administrativas, legislativas, jurídicas pactuadas com oligarquias políticas e econômicas.
Espanar o pó patrimonialista talvez seja o principal desafio dos clubes rumo ao futuro. Imprescindível não só para a diversificação de receitas, a captação de investimentos, o cortejo à SAF. Mas também à efetivação de um protagonismo decisório e financeiro compatível à importância simbólica e material deles na indústria esportiva.
O desafio desdobra-se no polimento da governança. Nela sustenta-se o ímã primordial para atrair consumidores e investidores: confiança.
A maturação exige desde competências gerenciais e reequilíbrios tributários até compromissos como responsabilidade socioambiental e transparência. Princípios cada vez mais preciosos nos ambientes de negócios globalizados.
Historicamente boicotada nos escaninhos do poder, a transparência ora confronta-se com uma epidemia de desinformação, imediatismo, superficialidade. Uma epidemia na qual germinam o linchamento nas redes e os ataques às balizas democráticas.
O caminho da governança, da responsabilidade fiscal e social, da transparência nem sempre coincide logo com o ganho esportivo ansiado pelo torcedor. Impossível, contudo, pavimentar horizontes vitoriosos fora desse percurso. Ele diz mais sobre um clube, uma marca, sobre seus valores, seu amanhã, do que gols e troféus.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.