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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Neymar, Gabriel e a criptonita hipermídia

Imposta pela conversão de atletas em marcas globais, superexposição divide-se entre o retorno econômico e o fantasma do esgotamento mental

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Atualizado em 5 fev 2022, 07h20 - Publicado em 2 fev 2022, 21h00
Foto mostra o jogador Neymar em campo com a cabeça baixa e o dedo indicador em frente à boca
Neymar: documentário apresenta a trajetória do craque (./Divulgação)
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“O UFC deu o pulo do gato quando percebeu que não era um produto de luta, mas um produto de mídia”. Espírito do tempo, o diagnóstico feito em 2014 pelo então diretor comercial do UFC, Rodrigo Vicentini, no programa O Negócio é Esportes, assinala a midiatização esportiva exponenciada com os meios digitais.

O fenômeno habita o documentário “Neymar, o caos perfeito” (Netflix). A conversão do craque num prodígio multimídia transcende a vigorosa carreira de garoto-propaganda.

Não basta transferir a popularidade e o sucesso às marcas representadas. É preciso ele próprio virar uma marca global, um Zeus midiático, onipresente nas arquibancadas online.

De Leônidas a Senna, Hortência a Marta, estrelas do esporte seguem apropriadas pela indústria da persuasão. Simbolizam êxito, vitalidade, superação. Encarnam a conquista do futuro.

Astros reproduzem, muitas vezes na própria história, a narrativa publicitária do herói. Um domador da realidade cujos poderes aniquilam os monstros de plantão: crostas de gordura, rugas, adversários políticos.

A narrativa desdobra-se agora por múltiplas telas e identidades. Incorpora a fragmentação cibercultural e a hipermidiatização indispensáveis ao herói pós-moderno.
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Ontem e hoje o herói alimenta-se do precipício. Por isso Neymar se vê induzido a cultivar o caos e decalcá-lo na sua estampa pública.

Embora o menino da Vila seja um dos melhores jogadores de todos os tempos, o virtuosismo caminha periférico na produção biográfica. Predominam ali não as maravilhas com a bola, os dribles, os gols memoráveis, tampouco emoções colecionadas nos 15 anos de gramado. Prevalece o pendor midiático que lhe rende receitas superiores às salariais.

Os 165 minutos concentram-se na construção de uma marca valiosa. Um investimento cujos dividendos se impulsionam na centrífuga multimídia do pop star.

A prioridade em gerir sua imagem escala uma força-tarefa por trás de cada passo, cada penteado, cada postagem. Operação com calibre multinacional. Move 165 milhões de seguidores.
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O prestígio nas mídias sociais também se instala nos traços contemporâneos de Neymar. O filme os escancara sem firulas.

Apetite hipermídia e diluição identitária logo se apresentam. Componentes geracionais adubados pelo marketing.

Neymar fragmenta-se em muitos. Multiplica-se nas redes. Diverte-se com a ciranda de personas, com a fugacidade. Delas extrai ouro.

Aos 30 anos, confirma a bola levantada em 2016 pelos pesquisadores Pawel Korzynski, de Harvard, e Jordi Paniagua, da Universidade Católica de Valência: no mercado do futebol, performances digitais tornam-se tãoimportantes aos negócios quanto as esportivas. Postagens milionárias como as de Neymar, Cristiano Ronaldo, LeBron James comprovam a tese central do artigo Score a tweet and post a goal: Social media recipes for sports stars.

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Neymar também retrata a condensação temporal dos nossos dias. Tudo lhe vem rápido: o trabalho, a fama, os milhões. Vivencia intensamente a aceleração do cotidiano turbinada pelos ambientes online, aquilo que o filósofo Gilles Lipovetsky chama de império do efêmero.

Por um lado, o camisa 10 da seleção curte as delícias da fortuna precoce. Por outro, transparece certa curiosidade, ou desejo, de um ritmo menos puxado. “Se a vida fosse em slow motion, eu pensaria com mais calma…”, divaga.

O singelo desabafo indica uma filiação à ambiguidade contemporânea. Manisfesta-se em mais dois pontos do filme.

Um deles refere-se à fusão entre Batman, como família e amigos o veem, e Coringa, como críticos o imaginariam. Nada tem de aleatória a alusão ao rico, ambíguo e autossuficiente homem-morcego.

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O outro ponto confronta o discurso de indiferença com opiniões alheias, replicado ao longo dos três capítulos, à minuciosa gestão de imagem comandada pelo pai. Numa cena emblemática, ele insiste em calibrar o boné do filho rumo ao Barcelona.
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Pressões assim sofrem atletas famosos mundo afora. Às cobranças por pódios e troféus, somam-se intermináveis afazeres do balcão hipermidiático. Em excesso, viram criptonita. Esgarçam o limiar do corpo e do espírito já extenuados com treinos, competições, viagens.

Sob a retórica de heroísmo conveniente à lógica utilitária ao mercado, esse combo aumenta o risco de Burnout: esgotamento físico e psicológico decorrente da rotina profissional. Os casos triplicaram nos últimos dois anos, alerta a Organização Mundial da Saúde.

Quando transtornos do tipo alcançam campeões como a ginasta Simone Biles e o surfista Gabriel Medina, costumam despertar preconceito, desconfiança, ironia. Ao subverterem a aura sobre-humana de cânones esportivos, revelam assombração de que nenhum mortal está imune. Perigo que se alastra nas incertezas e correrias de uma hipermodernidade à beira do colapso nervoso.

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A escalada dos desalinhos emocionais sinaliza uma urgência coletiva: (re)equilibrar a caminhada, desacelerar. Encaixar doses de slow motion, como diria Neymar, na loucura do dia a dia. Começa por dispensar o cinto de utilidades.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva.

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