A Maratona do Rio acumula superlativos. Embalada pelo recorde de 45 mil participantes, 81% vindos de outras cidades, a 22ª edição impulsiona R$ 355 milhões e 2,8 mil empregos diretos e indiretos no estado. Movimenta o turismo, o comércio, as esquinas, sob a cadência de maior festival de corridas de rua na América Latina.
Quando indagado sobre os motivos da quantidade crescente de corredores e investidores, seu idealizador, João Traven, sorri o orgulho de quem alcança, depois de muita ralação, uma medalha olímpica. “Ora, porque é do Rio”, responde, numa irreverente provocação, o diretor da Spiridon, coprodutora do festival, ao lado da Dream Factory.
João refere-se não só às belezas naturais e arquitetônicas que cortejam as cinco provas entre 30 de maio e 2 de junho: 5k, 10k, 21k, 42k e Desafio Cidade Maravilhosa (21k no sábado + 42k no domingo). Ele se fia também na vocação carioca para orquestrar vivência esportiva, cultura e diversão a céu aberto. “A cidade respira a maratona, entra no clima, e isso faz diferença”, acrescenta o diretor de Esportes da Dream Factory, Jued Andari.
Brilho nos olhos, pés no chão, Jued e João detalham, num intervalo dos incansáveis preparativos, os impactos socioeconômicos e a programação da empreitada, progressivamente porosa a shows, exposições, atividades artísticas. A dupla também conta por que acredita ser uma questão de tempo a entrada do Rio no cobiçado clã das Majors, formado por meia dúzia de maratonas icônicas, como as de Boston, Nova York, Berlim.
As cinco provas do festival reúnem o recorde de 45 mil participantes, 13% a mais em relação ao ano passado. O que move essa arrancada?
João: Se contarmos os acompanhantes, chegamos a 120 mil pessoas. Vários fatores impulsionam a adesão crescente ao festival, desde a estrutura técnica e logística, desde o apoio do poder público e da população até a dinâmica dos percursos e o casamento entre esporte, música, arte, diversão. Eu diria que todos esses aspectos giram em torno da conexão com as belezas geográficas, sociais e culturais do Rio.
Jued: A exuberância natural, a mobilização da cidade e as atrações artísticas ampliam a experiência dos participantes. Por exemplo, a prova de cinco quilômetros, em 30 de maio, entre o Museu de Arte Moderna e a Praça Cuauhtemoc, no Flamengo, virou vespertina para culminar com um show ao pôr do sol. Experiências assim atraem um público cada vez maior, inclusive de fora do estado e do país.
Pois é, 81% dos corredores vêm de outras cidades. A que vocês atribuem o sucesso com os estrangeiros?
João: Como o Jued destacou, os cariocas abraçam o festival. Ele se integra às ruas, aos comércios, aos serviços. Outro dia um motorista de aplicativo, por exemplo, comentou comigo como a maratona aquece a cidade. Os corredores de fora se sentem em casa e curtem as maravilhas do Rio.
Jued: A distribuição das cinco provas por quatro dias, durante o feriadão de Corpus Christi, também contribui para atrair mais gente. Outro estímulo corresponde à valorização das histórias dos corredores. Pedimos que encaminhassem vídeos de treinos e outras vivências ligadas ao esporte, para publicarmos nas redes da Maratona. A sugestão foi plenamente correspondida. Cada um ou cada uma que cruza a chegada representa histórias de desafio, alegria, solidariedade.
Por falar em solidariedade, de que forma o festival reforça o socorro às vítimas da calamidade gaúcha?
João: Numa parceria com a ONG Ação da Cidadania, abrimos um lote extra de inscrições, a R$ 1.000 cada, referentes às provas de 5k, 10k, 21k e 42k. Absorvemos despesas de impostos e taxas de serviço para que os R$ 136 mil arrecadados sejam integralmente doados ao povo gaúcho.
Os impactos econômicos acompanham o crescimento de público?
Jued: Certamente. Segundo o Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises, a 22ª edição movimenta R$ 355 milhões no estado, gera quase 3 mil empregos diretos e indiretos, agrega R$ 177 milhões ao Produto Interno Bruto do Rio (PIB, soma dos bens e serviços).
A guinada se reflete também no aumento dos produtos oficiais?
Jued: Sim, saltamos para 40 mil itens, contando todos os parceiros licenciados. Isso inclui, por exemplo, a linha específica de roupas, acessórios e tênis desenvolvidos pela Adidas, patrocinadora máster, e os oito modelos de óculos escuros licenciados com a YOPP.
João: Em relação às camisas das provas, elas estampam cartões-postais cariocas e são feitas com pelo menos 70% de material reciclado. A sustentabilidade é, logicamente, uma diretriz do festival.
Apesar da importância preponderante dos amadores, as disputas abrigam 50 atletas de elite. Qual a chance da quebra de recordes?
João: A chance é boa na Maratona, tanto entre os homens quanto entre as mulheres. A categoria masculina reúne todos os vencedores desde 2018, como o queniano Josphat Kiprotich, atual campeão e recordista da prova, e o brasileiro Justino Pedro da Silva, ganhador em 2021 e 2022. Já na categoria feminina, a brasileira Amanda Aparecida de Oliveira, terceira no ano passado, enfrenta a concorrência das etíopes.
Falando ainda em categorias, observamos nesta edição um empate técnico entre corredores e corredoras…
João: Sim, o equilíbrio de gêneros prevalece. Embora as corredoras sejam maioria em três das cinco provas (5K, 10k, 21K), elas correspondem a 48% das inscrições.
Os compromissos com igualdade, diversidade, sustentabilidade, assim como a estrutura qualificada e a participação substantiva de atletas de ponta, estão entre as condições para ingressar no cobiçado grupo das Majors, formada pelas maratonas de Boston, Nova York, Chicago, Berlim, Londres e Tóquio. Este é um sonho ainda distante ou o Rio já avista o topo internacional?
João: A cada edição, nos aproximamos de realizar este sonho. Vamos fortalecendo os requisitos para entramos no seleto grupo, como a inclusão de mais atletas de elite.
Jued: Acreditamos que seja questão de tempo para a Maratona do Rio estar entre as Majors. Ela se tornaria a primeira Major da América Latina. Mas ainda não podemos precisar quando chegaremos lá.
De qualquer forma, o festival se expande, ano a ano, oxigenado pelos entrelaces esportivos, ambientais, artísticos, socioculturais. Como esta sinergia incide nas atividades paralelas às provas?
João: Atrações culturais incrementam a programação. A Maratona da Arte engloba shows e exposições. Uma das marcas do festival, os tênis gigantes, pintados pelos artistas Davi Baltar, Ju Angelino, Criz Silva, Lolly e Rafael Doria podem ser apreciados, até dia 26, na Estátua Luiz Gonzaga (Centro de Tradições Nordestinas), no Complexo Esportivo da Rocinha, no Maracanã, na Praça Jerusalém (Ilha do Governador) e na Praça do Pontal (Recreio). Depois, as peças ficarão expostas na Casa Maratona, no Village e no Bosque, instalados na Marina da Glória.
Jued: A Marina concentra as atividades culturais e os shows gratuitos, abertos ao público. Lá se apresentarão o DJ Marlboro, na quinta (30/5); o bloco Chora Me Liga, no sábado (1/6); e o ex-Barão Vermelho Rodrigo Santos, no domingo (2/6). Sandra de Sá e Bangalafumenga encerarão o festival, também no domingo.
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Capital simbólico depreciado
A bronca rubro-negra com o Gabriel corinthiano envolve aspectos intangíveis, culturais, comerciais. Todos articulam-se à representação envergada por um ídolo e por uma camisa.
O ídolo esportivo constitui-se de triunfos, façanhas, mas principalmente de significados, valores, afetos recíprocos. Dele não se espera perfeição, e sim fidelidade à aquarela conotativa com a qual os fãs se identificam, pela qual transcendem até a dimensão onírica.
Uniformes, escudos, bandeiras também magnetizam um simbolismo abraçado à devoção. Legitimam filiações materiais e imateriais a comunidades idealizadas.
Quando recebe a mítica Camisa 10, Gabriel consagra-se emblema de uma proclamada nação e de um imaginário eternizado por Zico. Mais do que reconhecimento aos préstimos históricos do artilheiro, o prêmio equivale a uma ordenação honorífica.
A homenagem ritualiza um salto ao patamar canônico. Não exige, em retribuição, necessariamente gols, títulos, recordes. Exige que permaneça leal ao conjunto de representações compartilhadas e cultuadas pelos torcedores.
Nada sustenta tanto a relação com um grande clube quanto o seu capital simbólico. Ninguém o multiplica tanto quanto um ídolo.
Tal mérito converte-se em salários e patrocínios superiores. Estão condicionados, por responsabilidade contratual e ética, ao zelo com uma imagem fiel à estatura simbólica.
Mesmo extraído do ambiente privado, o propagado flagrante com a camisa do Corinthians trai a representação sem a qual a aura canônica do ídolo desmancha como papel na chuva. Talvez tenha faltado uma voz precavida para alertá-lo do risco.
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Corrida contra o preconceito e o desamparo
A Corrida Brasil Sem Preconceito voltará ao Rio nove anos depois de ter reunido, na cidade, quase 3 mil simpatizantes à luta contra discriminações de raça, cor, gênero, identidade, orientação sexual. Agora a caminhada e a corrida ensaiam mobilizar quase o triplo de participantes. Eles ganharão a Quinta da Boa Vista em 30 de junho, no fim de semana do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+.
Parte do arrecadado com as inscrições será doada a desabrigados pelas enchentes. Os interessados em aderir à campanha solidária poderão usar o cupom SOS Rio Grande do Sul, cuja receita de venda será integralmente repassada ao governo gaúcho
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.