Filipinho: “Amo surfar no Rio, me sinto muito conectado com a onda”
Bicampeão mundial exalta resiliência e torcida brasileira, e reconhece que, apesar dos avanços, igualdade no esporte precisa amadurecer
A vida ficaria pequena sem belezas como o encaixe entre a eletricidade vocal de Elis Regina e a poesia melódica de Tom Jobim. A parceria desabrochou no histórico álbum de 1974, gravado em Los Angeles, cujos bastidores iluminam o documentário de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay recém-chegado aos cinemas.
Da mesma afinação é feito o encontro de Filipe Toledo com o mar. Suas tensões e pulsões se entrelaçam igual a potência da cantora irmana-se à delicadeza do maestro.
Irrigada na Ubatuba natal e na Califórnia, onde o surfista mora desde 2014, essa rima rendeu-lhe o bicampeonato mundial, sétimo caneco do Brasil em nove temporadas. A conquista recheada de aéreos acentua a hegemonia dos nossos surfistas prodigiosos. Reforça também o lugar cativo de Filipinho no imaginário da garotada louca para subir numa prancha e repetir as façanhas do ídolo, ou simplesmente salgar a vida de adrenalina.
O título representa ainda a vitória da perseverança sobre uma lesão que quase estraga o ano. “Prevaleceu a resiliência”, comemora. Mesmo acostumado à tietagem global, o craque de 28 anos também exalta a “atmosfera diferente criada pela torcida brasileira”. Está ansioso para revê-la em Saquarema, o Maracanã do surfe, ou até na Barra do seu primeiro troféu nacional, em 2015. “Amo surfar no Rio. Eu me sinto muito conectado com a onda”, declara-se Filipinho.
O campeão mantém-se não menos conectado com a necessidade de tornar o esporte mais inclusivo e igualitário: “Houve avanços, como a equiparação dos calendários e das premiações nas categorias masculina e feminina. Mas ainda não alcançamos a igualdade necessária. Temos um caminho a percorrer”.
Como o bicampeonato mundial e a hegemonia brasileira no surfe influenciam a formação de novos talentos? Quais as dicas para garotada que começa a pegar onda inspirada por essas façanhas?
Acredito que, quando temos alguém para nos espelhar, quando vemos algum exemplo de sucesso em qualquer área, naturalmente pessoas passam a acreditar que também conseguem alcançar esse objetivo. O Gabriel [Medina] abriu portas com o primeiro título mundial de um brasileiro, e hoje nós vemos um Brasil dominante no esporte, vencendo sete dos últimos nove títulos mundiais. Com essa fase incrível, conseguimos atrair mais espectadores, patrocinadores e praticantes para o esporte. A única coisa que posso dizer para eles é que acreditem nos seus sonhos e sejam determinados para alcançar os seus objetivos. A jornada vai ser longa, difícil, vai exigir muito, mas desistir não pode ser uma opção.
Que lições são extraídas do segundo título mundial?
Aprendi, neste ano, a importância de nunca me contentar com os bons resultados e de ser resiliente nas adversidades, de me manter determinado e focado nos meus objetivos. Meu principal adversário era minha própria mente. Muitas vezes ela queria me puxar para o lado negativo, mas trabalhei isso internamente. Tive uma lesão no joelho que poderia ter acabado com o meu ano, mas tive ajuda da minha família, dos meus médicos, da minha equipe. Eles me fizeram dar a volta por cima para chegar ao topo novamente.
Que iniciativas públicas e privadas podem aproveitar o destaque internacional do Brasil para impulsionar o esporte como instrumento de inclusão e saúde?
Em relação a iniciativas, quero deixar no ar uma novidade que vai ser lançada em breve, mas que ainda não posso contar. É um projeto muito legal, que vai promover o acesso ao esporte, à cultura e à saúde. É uma novidade especial do Team Filipe Toledo para vocês.
Que aspectos o surfe precisa amadurecer para se tornar mais igualitário?
Assim como em outros esportes, ainda enxergamos uma certa desigualdade no surfe, especialmente olhando para as categorias masculina e a feminina. Já teve um avanço. Até pouco tempo atrás, as mulheres recebiam menos premiações do que os homens, surfavam em calendários diferentes. Hoje já vemos uma melhora em relação a isso: as premiações e os calendários do circuito foram igualados. Mas ainda não alcançamos a igualdade necessária, até pelo fato de existirem menos surfistas competindo na categoria feminina. Ainda temos um caminho a percorrer.
Quais as praias do Rio que você mais curte, ou das quais carrega as melhores lembranças?
Cara, é difícil falar o meu lugar preferido. O Rio é muito bonito e tem vários lugares históricos. Dois picos fazem parte da minha história: Barra da Tijuca e Saquarema. Venci meu primeiro campeonato brasileiro na Barra, em 2015, um momento muito especial. Em Saquarema, venci outros três campeonatos, em 2018, 2019 e 2022. Eu amo surfar no Rio de Janeiro. Eu me sinto muito conectado com a onda, e a atmosfera que a torcida brasileira cria para nós, atletas, é um diferencial. Sempre fico muito ansioso pela etapa do Brasil.
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Maré socioambiental
Por falar em praia carioca, um mutirão de limpeza ganhará o Leblon neste sábado (23). Concentrados em frente ao número 117 da Avenida Delfim Moreira, a partir das 8h30, voluntários vão recolher, inclusive, lixo eletrônico e óleo de cozinha descartados por moradores da região.
Organizada pelo Rei e Rainha do Mar, em parceria com o projeto Ilhas do Rio. a iniciativa reforça aliança entre o esporte e a responsabilidade socioambiental. A próxima etapa do circuito, com provas de corrida, natação, biathlon e stand-up, será disputada nos dias 9 e 10 de dezembro, em Copacabana.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.