Esporte: prioridade numa política pública para a vida saudável
Democratizar a atividade física regular, como prevê o Plano Nacional do Esporte à espera de votação no Senado, reduz riscos e gastos relacionados à saúde
Nem sombra do esporte nas campanhas. A ausência deve-se não só à asfixia de propostas pelo campeonato de ofensas e desinformações. Resulta também da míope associação da prática esportiva ao supérfluo.
O hábito deveria virar protagonista numa política de Saúde centrada na prevenção. Somaria-se às urgências de alimentação e saneamento numa terra em que 125 milhões sofrem com o estio à mesa, 33 milhões passam fome e 35 milhões sequer têm água tratada.
Configurariam crime hediondo discutir o sexo dos anjos, semear realidades paralelas e camuflar orçamentos patrimonialistas enquanto essas desumanidades se perpetuam. Há algo mais importante do que erradicá-las, pergunta o Brasil diante do espelho?
Água e comida decentes são, claro, imprescindíveis ao mais elementar e universal dos direitos humanos: o direito à vida – digna, livre, saudável. Garanti-lo, especialmente aos mais pobres e vulneráveis, é responsabilidade conjunta, permanente, indistinta. Provê-lo constitui dever estatal apontado no Artigo 5º da Carta Magna.
O compromisso integra estratégias terapêuticas e preventivas. Propiciar uma vida saudável aos estratos populacionais não depende só de uma rede médica plenamente acessível, ampla, eficiente. É preciso aperfeiçoar e popularizar os cuidados de prevenção.
Salubridade, alimentação e hidratação adequadas, atividade física regular, controle do peso e noites bem dormidas formam uma receita tão simples quanto poderosa para afastar os riscos à saúde. Sobram evidências científicas de que previnem comorbidades como hipertensão, diabetes, câncer, depressão.
Meia hora diária de caminhada, nadada ou pedalada, por exemplo, já faz diferença. Ajuda muito a conter ou controlar doenças crônicas, atesta o Colégio Americano de Medicina Esportiva.
O esporte revela-se decisivo à preservação do bem-estar ao longo dos anos. Cabe às gestões federal, estaduais e municipais incentivá-lo, subsidiá-lo, qualificá-lo – em escolas, praças, praias, na cidade e no campo –, com prescrição e acompanhamento profissionais não restritos aos de maior renda.
O cumprimento desta obrigação legal e moral rende benefícios além dos ganhos à saúde. Converte-se, com o tempo, em melhor produtividade econômica e redução de custos com terapias, medicamentos, hospitais.
Doenças crônicas não transmissíveis consomem quase R$ 1,7 bilhão por ano em internações no SUS. Aproximadamente 17% delas decorrem do sedentarismo, alerta pesquisa do professor da UFF Marcos Antonio Vargas.
Menos de um quarto dos brasileiros exercita-se com frequência, estima o IBGE. A maioria está distante dos 150 minutos semanais recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Seriam suficientes para evitar uma quantidade nada desprezível de comorbidades, tratamentos caros e sofridos, mortes.
Igualmente alarmante é a condição alimentar de grande parcela da população, entre a barriga vazia e a obesidade. Seis em cada dez brasileiros estão acima do peso ideal. Refletem a combinação do consumo de alimentos ultraprocessados – mais baratos, carregados de açúcar e gordura, pouco nutritivos – com a inatividade física.
Desnutrição, obesidade, sedentarismo devastam o futuro. Despejam o Brasil no rastro de uma epidemia de doenças crônicas, bombas-relógio várias vezes silenciosas.
Para desarmá-las, não há outro caminho senão cultivar uma filosofia preventiva e facilitar a sua implantação no dia a dia: comer bem, dormir bem, evitar o cigarro, não abusar do álcool, exercitar-se. Nada oneroso ou complexo, sem menosprezo das nossas desigualdades.
O desafio impõe iniciativas multidisciplinares conjugadas numa política pública prioritária. Inclui de campanhas educativas ao aprimoramento do alcance, da qualidade e da frequência de atividades físicas e esportivas.
Começaria por consumar projetos como o Plano Nacional do Esporte. Aprovado em agosto na Câmara, espera apreciação do Senado. Reúne diretrizes para efetivar a prática esportiva como direito social.
Baixada a poeira das urnas, talvez seja votado e implementado com velocidade compatível à necessidade de afastar a saúde nacional do CTI. Representaria já um tremendo avanço a adesão irrestrita a dois objetivos assinalados no texto do relator Afonso Hamm (PP-RS):
- Garantir acesso à prática e à cultura da educação física e do esporte nas escolas de educação básica, de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens e favorecer a inclusão social.
- Incentivar a prática da atividade física e do esporte, de forma a promover hábitos saudáveis que contribuam para a saúde e para a qualidade de vida dos jovens, dos adultos e dos idosos.
Vocacionado ao esporte, o Rio poderia pilotar a execução desta partitura. Não faltam espaços e mão de obra gabaritada para empreendê-la.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.