Esporte adaptado transpira inclusão e benefícios terapêuticos
Cega há sete anos, professora conta como o surfe no Arpoador e a corrida de rua revigoram o corpo, a mente, a relação com a cidade
A brisa, os sons ao redor, o sussurro das ondas. Há sete anos desfalcada da visão, Paula Labsch, de 55, contra-ataca. Transforma o esporte num banquete sensorial.
Surfe no Arpoador, braçadas em Copa, corrida na Vista Chinesa. Encantos cariocas douram a vida de esportista. Nela a professora mergulha com a perseverança dos vencedores e a sabedoria de quem espana os acidentes de percurso.
“O esporte melhora o bem-estar, a autoestima, mantém o corpo e a mente saudáveis. Eu me sinto potente, confiante, viva”, sintetiza, por telefone. Sua voz transpira a liberdade dos carrinhos de rolimã.
Depois de duas meias maratonas, ela treina agora para a Corrida e Caminhada pela Inclusão Olga Kas Rio, 15 de dezembro, no Aterro. Paula conta, num papo descontraído, como as incursões atléticas acentuam a paixão pela cidade. Também reforça a importância social e terapêutica da prática esportiva.
Paula com o guia Ney Mesquita
O que o esporte mudou na sua vida?
Perdi parte da visão em 2017, devido ao derrame causado por uma pancada na cabeça. Estava aprendendo a surfar. Durante a pandemia, uma infecção no olho esquerdo me deixou só com 3% de visão. O esporte foi essencial para a minha reabilitação. Antes de ir ao Instituto Benjamin Constant (referência nacional em capacitação de pessoas cegas), passava no Arpoador para pegar onda. Adoro praia. A prática esportiva melhorou a confiança, a autoestima, o bem-estar.
Uma terapia, né?
Exatamente. Faço surfeterapia. O surfe e a corrida tiveram, e têm, uma importância terapêutica. Descobri que o mundo é sensorial além da visão. Percebo mais os sons, a onda bater na pedra, o tamanho do mar. Na corrida, a mesma coisa: ouço ecos dos que passam. Curto mais a experiência de correr, o percurso, sem me preocupar com o final. Eu me sinto potente, viva. Comecei também a nadar.
Se continuar assim, vai virar triatleta…
Quem sabe? Talvez seja a próxima etapa. Para manter a motivação, é legal criar novos desafios.
Como foi a adaptação a esses esportes?
Eu me adaptei aos poucos, com a ajuda dos profissionais da escola de surfe coordenada pelo Rogério Pessoa, que atende PCDs e pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Um instrutor me indica o momento de entrar onda e outro, próximo da beira, me avisa quando devo saltar da prancha. Aí ele me pega, como se fosse um goleiro.
E na corrida?
Recebo a assistência primorosa dos guias. Eles viram treinadores. Isso me permitiu participar de provas como a Meia Maratona do Rio, a São Silvestre e a Volta da Pampulha. Agora estou treinando para a Corrida e Caminhada pela Inclusão Olga Kos Rio.
Por falar na Corrida Olga Kos, como potencializar a vocação do esporte como instrumento de inclusão?
Há vários caminhos para melhorar o esporte adaptado. Iniciativas como a corrida organizada pelo Instituto Olga Kas são primordiais tanto por ampliarem o acesso do esporte a pessoas com deficiência quanto por propagarem a cultura da inclusão. Precisamos difundi-la, amadurecê-la. A vocação solidária do Rio pode ajudar a materializá-la numa estrutura melhor para o esporte adaptado nas escolas, nas praças, na rua. Por exemplo, ampliar os sinais sonoros como os da Urca e do Encantado, principalmente nas avenidas maiores. Também é preciso qualificar a educação dedicada ao acolhimento de PCDs.
Outra vocação carioca é atividade ao ar livre. Isso facilita a adesão ao esporte, inclusive adaptado?
Acredito que sim. A cidade é um convite ao esporte a céu aberto. Eu curto muito a orla, a praia, o verde. Treino no Aterro, na Lagoa, na Vista Chinesa. Às vezes, corro de Copa até o Mirante do Leblon.
Qual a principal barreira no dia a dia de treinos?
A maior dificuldade é manter uma alimentação compatível com a vida de esportista. Sou louca por doce. É difícil dizer não para o chocolate. Por outro lado, o ritmo dos treinos diminui a ansiedade pelo açúcar.
A vida de esportista auxilia também a vida de professora?
O esporte ajudou a me adaptar à nova rotina escolar, no Ciep João Goulart, em Ipanema. O surfe, a corrida e a natação me lembram que podemos nos capacitar para o que quisermos. Uma lição preciosa, que devemos aplicar também na vida profissional.
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Doval no Leblon
Alma e pinta de carioca, o argentino Doval fez sucesso no Fla, no Flu, nos embalos do Rio. Luciano Ubirajara Nassar costura essas histórias numa biografia recém-lançada.
Ele vai autografar “Doval – o ídolo do povo“, sábado agora (23), às 11h, no Bigorrilho Leblon (Ataulfo de Paiva, 814). Com o apoio d0 Museu da Pelada, a inciativa reunirá ex-jogadores de várias gerações.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.