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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Diferenças entre o craque e o grande ídolo

Documentário sobre Pelé e deslize de Gabigol lembram importância de a consciência social acompanhar a proeminência esportiva

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Atualizado em 22 mar 2021, 11h36 - Publicado em 21 mar 2021, 00h29
Gabigol: Postagens dando força a Babu Santana, flamenguista apaixonado que, confinado, pediu notícias sobre o jogador  (Instagram/Reprodução)
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“Amo o Pelé, mas ele tinha o comportamento do nego submisso, que não contesta. Uma opinião dele relacionada a isso (ditatura) mexeria muito com o país”, dispara Paulo Cézar Caju no recente documentário Pelé (Netflix). O filme de Ben Nicolas e David Tryhorn reconecta o Rei com dilemas que lhe atormentaram as pernas, a cabeça, o coração. Um dos mais incômodos envolve a cobrança por menos condescendência com a ditadura instalada nos anos 60. Assim esperava uma parcela da sociedade, dos colegas, talvez da própria consciência. Pelé contra-ataca:

“Ajudei mais o Brasil com o meu futebol do que muitos políticos que ganham pra fazer isso”. Quem ousaria negar?

Caju invocava no companheiro de tri, tão reverenciado mundo afora, a propriedade transversal dos grandes ídolos. Aqueles cuja maestria transcende a proeminência esportiva e os perímetros profissionais. Por isso até adversários os admiram.

A comparação com Muhamed Ali era inevitável. Ao nocautear a convocação para o Vietnã, em 1966, o pugilista transferiu o prestígio e a popularidade de campeão olímpico à luta humanitária, antirracista, liderada por Malcolm X. A desobediência lhe custou três anos exilado dos ringues. Foram parcialmente compensados pelo reconhecimento da História.

“Palmas para Muhamed Ali. Mas ele sabia que, preso por deserção, não corria o menor risco de ser torturado. O Pelé não tinha essa garantia”, relativiza o jornalista Juca Kfouri. “Ditaduras são ditaduras. Só quem viveu sabe onde arde”, arremata.

A irrefutável ponderação não invalida a diferença entre o craque, a celebridade e o ídolo maior. O grande ídolo, inclinado à eternidade, concentra significados e valores acima do alto rendimento. Carisma, empatia, honestidade. Dele não se cobra santidade ou perfeição, e sim uma estatura moral nas coisas importantes.

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Ídolo sem consciência social veste calça curta. Tende a desbotar quando as labaredas da fama adormecem.

Alguém imagina o Zico, o Guga, a Magic Paula, por exemplo, dando uma festa de arromba ou caindo na gandaia com um monte de gente em plena guerra sanitária? Pois é…

Analógico ou digital, o grande ídolo inspira cidadania. Seu senso coletivo não faz lockdown. Contrapõe-se ao isolacionismo que desemboca nos quase três mil mortos diários por Covid.

A responsabilidade caminha ao lado da influência não raramente capaz de mudar o curso de uma cidade, um país, até do mundo. Dela não abdicaram astros do basquete americano, ao boicotarem partidas da NBA em apoio ao movimento antirracista Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

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Manifesto contra o racismo suspendeu partidas da NBA
NBA: atletas aderiram ao Black Lives Matter (Keith Johnston / Pixabay/Reprodução)

O protesto do ano passado amplificou-se nas mídias sociais de LeBron James. Seus 70 milhões de seguidores rendem ao craque 300 mil dólares por mensagem patrocinada e uma forte ressonância do constante engajamento em causas sociais.

Já os 8 milhões de seguidores de Gabigol depararam-se com um descompromisso cívico. O flagrante no cassino pouco difere dos assaltos à vida comedidos com perversa naturalidade nas esquinas e nos gabinetes de um Brasil indiferente à tragédia.

Festa clandestina, praia abarrotada, fura-fila nada têm de ocasionais. Reproduzem a sabotagem à lei e ao outro cultivada desde o berço sociocultural.  Naturalizamos a carteirada, o jeitinho.

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Deste contexto não destoa nem a derrapada do atacante rubro-negro nem a tentativa da Federação Paulista de migrar o futebol para um vizinho receptivo à obstinação de imunizá-lo da paralisação ordenada pelo governo estadual. Os dois casos – e outros tantos país adentro – juntam-se à epidemia de bolhas pretensamente impermeáveis ao avanço de contaminações, internações e mortes decorrentes do coronavírus.

Além de remédios, oxigênio e leitos, faltam acuidade e sensibilidade para reconhecer a urgência em estancar a propagação do vírus. Sem esforços coordenados e revisões de prioridades, inclusive no setor esportivo, o colapso da saúde seguirá irreversível. O apelo é repetido por onze em cada dez autoridades científicas.

É aí que o grande ídolo se distingue da celebridade. Sobram no esporte, como na arte, na literatura e na cultura, vozes corajosas, sensatas, mobilizadoras. Faróis no breu do descaso. Deles se espera um exemplo, uma palavra, uma chacoalhada, um condão que ilumine a virada de jogo. PC Caju sabe bem disso.

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Decisivos e redentores

Hoje os nossos ídolos mais decisivos vivem o paradoxo do anonimato. Batalham dia a dia contra a praga invisível e outras piores, recicladas nas perversidades e contradições humanas. Encaram a exaustão, o medo, as perdas de vidas e medicamentos, a desarticulação político-administrativa, a desinformação. Redentores, carregam o país nas costas.

Esses profissionais de saúde seguram as pontas não só na linha de frente contra o coronavírus. Fazem a diferença também na prevenção das comorbidades, determinantes ao agravamento da Covid-19, e na reabilitação dessa doença cujas sequelas têm queimado as pestanas da comunidade médica.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, especialista em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.

 

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