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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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“Com as SAFs, Brasil terá superclubes daqui a cinco anos”

Fundador do BMA, envolvido na criação das Sociedades Anônimas de Vasco e Botafogo, Chico Müssnich faz um balanço desse modelo em alta no país

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Atualizado em 20 dez 2023, 15h41 - Publicado em 20 dez 2023, 15h33

As sociedades anônimas chegaram ao nosso futebol com pompa de salvadoras. Livrariam da penúria gigantes cuja saúde financeira há muito agonizava. Comprometidas com o lucro, extinguiriam práticas amadoras, patrimonialistas, irresponsáveis. Aportes bilionários produziriam grandes times e títulos.

O ano termina com realidades esportivas bem abaixo à expectativa da torcida. SAFs debutantes, como de Vasco e Bahia, conviveram com o fantasma do rebaixamento. A do Botafogo viu a taça escapar pelos dedos. Responsabilizá-las por derrapagens nos gramados constituiria um equívoco entre a miopia e a precipitação:

“Alguns pontos precisam ser ajustados, mas as SAFs caminham bem. Representam a salvação para clubes com dívidas catastróficas, e um grande avanço de gestão”, avalia pragmaticamente Francisco Müssnich, fundador e sócio do BMA, escritório de advocacia envolvido na implantação das Sociedades Anônimas de Vasco, Botafogo, Cruzeiro, Fortaleza. Sua análise ponderada, imune a pulsões imediatistas e passionais, projeta um horizonte animador: “Em cinco anos, essa transformação vai formar supertimes”.

O prognóstico não deriva do espírito natalino, e sim de uma percepção dogmática. É questão de tempo, crava o especialista, até o apuro gerencial e o salto dos investimentos, impulsionados por um ambiente de negócios confiável, converterem-se no sonhado ciclo virtuoso: mais receita, melhores atletas, equipes, espetáculos, mais conquistas, mais receita… Amém, clamam os torcedores à espera do paraíso.

Chico coordena, ao lado do também advogado e professor Job Gomes, a pós-graduação em Direito Desportivo da PUC-Rio. Em conversa por vídeo, eles traçaram um balanço sobre a largada das SAFs por aqui e indicaram os amadurecimentos necessários para corresponderem às ambiciosas previsões:

Como as recentes SAFs estão se saindo?

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Chico: Ainda estão se consolidando. Nada assim é construído da noite para o dia. Elas caminham bem. Com gestão profissional, saneamento financeiro e investimentos, as SAFs criam condições para se constituir o chamado ciclo virtuoso: mais receitas geram melhores times, melhores produtos, que geram mais receitas…

A Sociedade Anônima se torna imprescindível, no futebol brasileiro, para se conquistar o tal círculo virtuoso?

Chico: Eu diria que, em geral, sim. Sem as SAFs, ficaria impossível clubes extremamente endividados, como Vasco e Botafogo, atingirem esse ponto. O Flamengo é uma exceção. Sua arrecadação de recursos gigante, derivada da imensa torcida, permite construir o círculo virtuoso sem recorrer ao modelo de SAF no curto prazo.

E no longo prazo?

Chico: Creio que, no longo prazo, o Flamengo possa adotar o modelo de Sociedade Anônima para competir com clubes como PSG e Manchester United. Aliás, prevejo, em cinco ou dez anos, um Mundial de clubes com várias potências internacionais.

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Job: O êxito dos clubes que optaram pela SAF, em termos de gestão, governança, aporte de capital, também pode influenciar o Flamengo a aderir ao modelo.

O novo Mundial de clubes, programado para meados de 2025, com 32 participantes, incluindo Flamengo, Fluminense e Palmeiras, seria um esboço dessa, digamos, ordem global emergente?  

Chico: Sim, por isso a participação dos brasileiros é importante. O Fluminense acabou se infiltrando ali na hora certa. Logicamente, não bastam grandes histórias e grandes torcidas para atingir e sustentar um alto rendimento esportivo e econômico na elite do futebol. É necessária uma gestão efetivamente profissional, assim como um ecossistema de negócios confiável e atraente aos investidores, condições propiciadas pelas SAFs.

Que atributos deste modelo se mostram determinantes à excelência esportiva e econômica sustentável?

Job:  A administração profissional, a governança, a transparência, a responsabilidade financeira e fiscal formam um ambiente de credibilidade que atrai e sustenta investimentos.

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Chico: A SAF é um negócio. Implica uma disciplina administrativa, econômica e financeira sem a qual um negócio não prospera, não se sustenta. O modelo também possibilita correções mais rápidas, comprometidas com a eficiência, não com interesses particulares ou políticas internas da organização associativa.

Apesar dos potenciais avanços, alguns clubes que adotaram a Sociedade Anônima, como Vasco, Botafogo e Cruzeiro, apresentaram, em 2023, desempenhos esportivos abaixo do esperado pelos torcedores. Esta avaliação corresponde à realidade ou revela-se precipitada, equivocada, inflada pela paixão clubística?

Chico: É um olhar de torcedores e de parte da imprensa. Embora as SAFs ainda estejam se consolidando, benefícios já podem ser notados. O Botafogo, por exemplo, evolui bem com a SAF. Antes, tinha um time sofrível. Apesar de a equipe ter deixado escapar um título que parecia certo, acabou em quinto no Brasileiro, classificada para a primeira fase da Libertadores. A torcida alvinegra foi incrível. Mesmo desapontada com a queda de rendimento, não deixou de apoiar. Ficou triste, percebeu que algo tinha se desajustado, mas manteve o apoio até o fim.

Job: Antes de pensar em títulos, é preciso organizar a casa, com práticas profissionais, que atraiam mais investimentos. É um processo, como disse o Chico. Leva certo tempo até a eficácia gerencial e os investimentos se transformarem em grandes times e conquistas.

Pois é. Mas o torcedor quer logo esse retorno. Espera, ao menos, livrar-se do risco de rebaixamento, que tornou a assombrar o Vasco, não obstante sua grandiosidade histórica, sociocultural, esportiva…   

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Chico: Vários fatores influenciam a performance esportiva. Por diversos motivos, um grande clube pode ir mal numa temporada. Faz parte do futebol. Isso não tira os méritos da SAF. No caso do Vasco, eu diria até que, sem as contratações feitas pela SAF no meio do campeonato, teria sido muito mais difícil escapar do rebaixamento. Os clubes não podem ficar estacionados na sua história e no volume de torcedores. O futebol é um negócio extraordinário. Precisa ser administrado com excelência profissional e práticas empresariais.

Sem menosprezar os ganhos obtidos e projetados pelas novas SAFs, já observamos, em algumas delas, correções, ajustes, demissões…

Chico: Lógico. Há pontos a serem ajustados, corrigidos, aperfeiçoados, de acordo com as características, estratégias e metas de cada SAF. Uma das vantagens do modelo é possibilitar a troca descomplicada de um executivo que não tenha sido eficiente. No modelo associativo, essa mudança, embora necessária, pode esbarrar em obstáculos políticos e interesses particulares.

Que lições as SAFs extraem da temporada 2023? Que aperfeiçoamentos são necessários para elas corresponderem, o quanto antes, à expectativa do torcedor?

Chico: Uma das lições da temporada refere-se ao peso crucial de um treinador que represente e pratique a busca constante por excelência profissional. Ele é o maestro da orquestra. Luís Castro desempenhava muito bem esse papel no Botafogo. Sua saída foi determinante ao declínio da equipe. Outro ponto não menos estratégico está associado à eficiência na contratação de jogadores. Ela precisa ser aperfeiçoada, com o trabalho de profissionais experientes nessa área.

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Job: Exato. Até porque bons jogadores são estratégicos a receitas provenientes não só de grandes competições e títulos, e a receitas de marketing, mas também aos ganhos com as transações de atletas.

Chico: Outro aprendizado diz respeito à relação entre a SAF e o clube, a associação esportiva, que continua com as suas dinâmicas políticas.

Como assim?

Chico: A Sociedade Anônima tem autonomia para gerir o futebol, conforme o acordo estabelecido, seguindo parâmetros profissionais, empresariais, com base em diretrizes do acionista majoritário (dono). A gestão fica a cargo de uma equipe de profissionais com funções e responsabilidades específicas, coordenada por um executivo ou uma executiva à frente do futebol. Se esses profissionais vão mal, de acordo com critérios técnicos, eles podem, como eu disse, ser facilmente substituídos. Isso favorece os ajustes necessários para se atingir a excelência  desejada. A operação articula-se ao Conselho Administrativo da SAF, do qual faz parte um representante do clube. Ele deve acompanhar a gestão e, se for o caso, cobrar aprimoramentos.

Job: Isso obriga o representante do clube a se qualificar, para avaliar profissionalmente, com precisão, aspectos como orçamento e contratação. Neste ponto, a SAF também contribui para profissionalizar o clube.

Chico: O modelo da SAF mostra como é imprescindível, para gerir bem o futebol, constituir uma estrutura verdadeiramente profissional. Ela envolve desde gestores especializados, governança e um ambiente de negócios atraente, confiável, até um treinador alinhado à excelência administrativa e esportiva. Essa estrutura também exige, entre outros componentes, um centro de treinamento impecável.

Se todos esses deveres de casa forem feitos, que estatura os nossos grandes clubes e, em geral, o futebol brasileiro podem atingir?    

Chico: Acredito que os clubes e o nosso futebol darão um grande salto com as SAFs. Um salto administrativo, econômico, esportivo. Essa transformação deve gerar, em cinco anos, superclubes brasileiros.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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