A Copa e a Copa do futebol feminino brasileiro
Atrás do primeiro título mundial, seleção inspira guinada que potencialize o esporte como fonte de lazer e inclusão a meninas do asfalto e do campo
O sonho do primeiro título mundial larga como jamais largou. Não desperta festas temáticas, ruas pintadas, tampouco fintas no expediente. Ainda assim, enverga importância superior à própria ambição esportiva.
Em busca do caneco na Copa da Austrália e da Nova Zelândia, a seleção comandada pela sueca Pia Sundhage embute um desafio tão difícil quanto desbancar Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha. A estatura técnica, tática, física, psicológica dessas potências reflete a densidade estrutural e sociocultural alcançada pelo futebol feminino nos respectivos países. Padrão para o qual o Brasil ensaia decolar.
A guinada exige amadurecimentos administrativos, políticos, financeiros compatíveis ao legado de Marta, Formiga, Pretinha e demais pioneiras. Só elas sabem a dureza de desbravar um território historicamente masculino, contaminado por dogmas e comportamentos machistas.
Com o ardor maciço de quem mata duzentos leões para sobreviver à asfixia de respeito, grana, dignidade, as precursoras enfrentaram violências materiais e simbólicas. Capinaram segregações visíveis e invisíveis atrás de um futuro ereto. Escreveram o prefácio de uma revolução a se imprimir.
O avanço envolve desde o aprimoramento das categorias formadoras e a expansão da prática em escolas, praças, clubes, condomínios até a qualificação de times e campeonatos para atrair, sob a batuta do espetáculo, mais visibilidade, investimento, consumo. O pacote depende de substantivas transformações culturais.
Nenhuma revela-se tão decisiva e complexa quanto superar discriminações estruturais. Fazem um estrago danado. Perpetuam assédios a jogadoras, treinadoras, torcedoras, comunicadoras (denunciadas em campanhas como #deixaelatrabalhar) e discrepâncias midiáticas e salariais, reféns de preconceitos e cabrestos mercantis.
Sem desmerecer os progressos conquistados na última década, desigualdades crônicas ainda prevalecem. Por exemplo, no Mundial em curso, o prêmio às competidoras, de US$ 150 milhões, corresponde a um terço do entregue, ano passado, no Mundial masculino do Catar.
O pulo do gato precisa convergir competências e esforços guiados por uma visão estratégica de longo alcance, alinhados a compromissos igualitários. Convém aproveitar a onda ESG (sigla em inglês para responsabilidade socioambiental e governança).
O empenho de empresas globais em acolher tais valores, convenientes à reputação corporativa, insinua-se um potente aliado ao salto do futebol feminino. Investidores não admitem mais patrocinados em descompasso com princípios como diversidade, equidade, inclusão. A indústria esportiva não é exceção.
A desejável evolução acolhe não só a órbita do alto rendimento, midiatizada e comercializada em larga escala. Estende-se às esferas educacional e comunitária do esporte, as quais o Estado tem a obrigação constitucional de prover.
Não basta aprimorar as equipes, os torneios, o espaço na mídia, as remunerações, as condições de trabalho, o trato profissional. É necessário converter o futebol num propulsor de saúde, lazer e cidadania às meninas do campo e do asfalto.
Então um belo dia não haverão mais de driblar o destino para bater uma bolinha, melhorar a vida e, com sorte, cair nas graças da galera. Eis a nossa grande Copa.
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Do trono à harmonia
Marta inspira nossa fervorosa torcida. Pela maestria. Pela simpatia. Pela coragem da adolescente que embarca sozinha no ônibus de Alagoas rumo ao desconhecido. Pelas maravilhas que a coroaram seis vezes melhor do mundo. Pela humildade em descer do trono para se irmanar com reservas no seu sexto e derradeiro Mundial.
“Ela é de grupo”, elogia Pia Sundhage, técnica campeã olímpica em 2004 e 2008, com os Estados Unidos. Deve ser algo desconcertante, até para a experiente treinadora, acomodar um mito no banco.
Recordes, reverências internacionais e lances geniais expressam a grandiosidade da artilheira das Copas (17 gols, e contando…), a maior de todos os tempos. Um assombro. Torçamos para a conquista na Austrália/Nova Zelândia se incorporar à galeria de superlativos.
Há dois motivos razoáveis para botarmos fé. O primeiro: Marta. Mesmo sem a reconhecida explosão, Marta é Marta. Aos 37 anos, a eterna Camisa 10 ainda faz diferença, inclusive ao compartilhar atalhos extraídos da vasta experiência. Conserva a fibra e o talento esculpidos com os pés descalços da infância alagoana.
O segundo: equilíbrio. Pia orquestra um conjunto harmônico, seu principal trunfo competitivo. Será suficiente para faturar o caneco? Saberemos a partir de segunda (24), estreia contra o Panamá, às 8h (transmissão da Globo e do Sportv). Tiremos do armário as cornetas e camisas amarelas.
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Vestidos de empolgação
Por falar em camisa, o Movimento Verde Amarelo (MVA) escala uma novo modelo listrado para apoiar a seleção na Copa. Criado em parceria com a Dimona, é uma versão feminina da listradinha, transformada em bandeirão no Mundial do Catar.
O MVA reunirá mais de 100 torcedores e torcedoras nas arquibancadas australianas e neozelandesas. Vão entoar cantos compostos para as jogadoras e um tema musical escolhido por concurso no Tik Tok.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.