Como a onda dos bebês reborn entre adultos pode afetar as crianças?
Conheça o impacto do movimento reborn para o público infantil

Nos últimos meses, o fenômeno dos bebês reborn ganhou ascensão e gerou debates nas redes, levando o assunto até mesmo para a ficção, no remake de “Vale Tudo”. Embora possam parecer apenas brinquedos sofisticados, os bebês reborn muitas vezes são tratados como se fossem reais: recebem nomes, cuidados diários, são levados em carrinhos pelas ruas e até mesmo para cerimônias de batizados. Desta forma, o movimento reborn desperta um questionamento: qual a linha tênue entre fantasia e realidade? E como isso pode impactar os adultos, mas também as crianças? O que acontece no cérebro de quem fica encantado com um “filho reborn” a ponto de confundir realidade e fantasia?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o cérebro é programado para responder ao estímulo do cuidado — principalmente diante de sinais de vulnerabilidade, como os traços faciais de um bebê (olhos grandes, rosto arredondado. Isso é chamado de resposta ao “esquema do bebê” (baby schema), um mecanismo neurológico que ativa o sistema límbico, responsável pelas emoções, e especialmente estruturas como a amígdala e o córtex pré-frontal, promovendo empatia, proteção e afeto. Ao cuidar de um bebê reborn, o cérebro do adulto ou da criança ativa os mesmos circuitos de empatia e apego que seriam estimulados diante de um bebê real. Isso explica por que o envolvimento emocional com esses bonecos pode ser tão intenso.
Do ponto de vista do desenvolvimento infantil, o uso moderado dos bebês reborn pode trazer benefícios, desde que inserido no contexto do brincar simbólico, onde a criança aprende a cuidar, simular papéis sociais e desenvolver empatia. Nesse cenário, há estímulo ao cuidado e à empatia, pois a criança passa a entender as necessidades do outro. O faz-de-conta é essencial para o amadurecimento cognitivo e emocional durante a infância, além de ser uma proposta eficaz de expressão emocional, já que muitas vezes os pequenos usam o objeto como meio de manifestar sentimentos que ainda não conseguem verbalizar com clareza.
Ainda podemos associar o aspecto lúdico do faz-de-conta com o desenvolvimento neuropsicológico infantil. Durante a brincadeira com os bebês reborn, por exemplo, o cérebro infantil é estimulado em áreas relacionadas à função executiva, como o córtex pré-frontal, que é responsável por habilidades como planejamento, controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Essas funções são essenciais para o raciocínio lógico, a tomada de decisões e a autorregulação emocional.
Quanto a questão fisiológica, ao assumir papéis imaginários — como cuidar de um “bebê reborn” — a criança ativa redes neurais que envolvem a teoria da mente, localizada em regiões como o córtex temporoparietal, permitindo que ela compreenda e simule pensamentos, intenções e emoções de outras pessoas.
O faz-de-conta ainda estimula o sistema límbico, especialmente o hipocampo e a amígdala, que processam emoções e memórias afetivas. Essa ativação ajuda a criança a elaborar situações emocionais complexas de forma segura, muitas vezes projetando seus próprios sentimentos no brinquedo. Assim, a brincadeira atua como uma espécie de “ensaio mental”, que prepara o cérebro infantil para lidar com experiências reais, promovendo tanto a maturação emocional quanto o aprimoramento cognitivo.
Quando a brincadeira ultrapassa limites
A exposição intensa de crianças aos bebês reborn pode acarretar impactos neuropsicológicos relevantes durante fases críticas do desenvolvimento cognitivo e afetivo. A infância, especialmente nos primeiros anos de vida, é marcada por uma intensa atividade sináptica nas regiões corticais relacionadas à percepção, linguagem, teoria da mente e formação de esquemas de realidade. Nessa etapa, o córtex pré-frontal, responsável pela diferenciação entre fantasia e realidade, ainda está em maturação, o que torna as crianças especialmente vulneráveis à internalização de estímulos contraditórios. Quando uma figura de referência (como os pais) trata um objeto inanimado com comportamentos típicos de interação afetiva real — como alimentar, embalar, conversar e priorizar o reborn — a criança pode registrar, neurologicamente, esses padrões como experiências legítimas de vínculo, o que compromete a organização da realidade.
A plasticidade neural, ativa durante a infância, faz com que as interações sejam internalizadas com facilidade, podendo moldar padrões futuros de comportamento social. A criança pode desenvolver confusão nos limites entre o simbólico e o concreto, afetando sua capacidade de elaborar jogos de faz de conta saudáveis — que são essenciais para o desenvolvimento da autorregulação, da criatividade e da resolução de conflitos internos.
Nos adultos, o uso do bebê reborn pode, em contextos muito específicos, servir como um suporte temporário em quadros de luto ou perdas gestacionais, ativando circuitos cerebrais de apego mediados pelo sistema oxitocinérgico. No entanto, quando essa interação se torna persistente e intensificada, pode indicar um processo de substituição simbólica disfuncional, onde há uma recusa inconsciente da realidade. Essa dinâmica, observada por crianças, pode ser interpretada pelo cérebro em desenvolvimento como normativa, gerando modelos mentais distorcidos sobre relações afetivas.
É importante destacar que a exposição recorrente a comportamentos fantasiosos relacionados aos bebês reborn pode prejudicar a diferenciação entre real e imaginário, interferindo no desenvolvimento de funções executivas, na maturação emocional e na construção de vínculos humanos autênticos.