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Por Daniela Alvarenga, médica, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia
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Caso Mariana Ferrer: o feitiço contra a feiticeira

Na audiência que escandalizou o país, advogado de defesa do réu acusado de estupro usa a beleza da vítima para culpabilizar a influencer

Por Daniela Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 nov 2020, 12h19 - Publicado em 6 nov 2020, 10h50

As cenas estarrecedoras, como bem definiu o ministro o STF Gilmar Mendes, do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a jovem Mariana Ferrer em dezembro de 2018 em um camarim privado de um beach club em Jurerê Internacional, chamam a atenção por inúmeros motivos. Dentre eles, o machismo estrutural, que atua de maneira tão banalizada no Judiciário, o abuso de poder e a tortura psicológica feita pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, responsável pela defesa do réu e a postura omissa do juiz Rudson Marcos. Para defender seu cliente, o advogado desqualifica a vítima exibindo fotos, que não convinham ao caso, julgando o caráter e as intenções a partir de sua beleza e de seu modo de expressá-la.

Na audiência que escandalizou o país, revelada por reportagem do The Intercept, o advogado se utiliza da beleza e do modo como a influencer a exibia nas mídias digitais para ,difamá-la. Gastão da Rosa Filho define as poses como “ginecológicas”, diz que “jamais teria uma filha do nível” de Mariana e, ao vê-la chorar diante das seguidas humilhações, a acusa de apelar a “choro dissimulado, falso” e de usar sua “lábia de crocodilo”.

Há muito o que discutir neste caso. Mas gostaria de me ater à discussão em torno da beleza da mulher. A cultura patriarcal julga a beleza como se a mulher fosse culpada por ser bela, como se sua beleza dominasse um “pobre homem” a ponto de fazê-lo, “coitadinho”, cometer um crime. Como se a mulher, ao expor e valorizar sua beleza, estivesse autorizando um homem a tomá-la à força. Esta falácia está tão enraizada na nossa cultura que até as lendas tratam a beleza como uma arma perigosa e ameaçadora. Está aí a Sereia Iara, do folclore brasileiro, para mostrar que os homens que não resistem a seu canto são, “coitadinhos”, puxados para o fundo do rio.

É desta cultura misógina que resultam tantos casos de estupro e feminicídio no Brasil. A cada oito minutos uma mulher é estuprada no país, segundo o Atlas da Violência, publicado este ano. Em 2019 houve um total de 66.123 boletins de ocorrência de estupro e de estupro de vulnerável registrados em delegacias de polícia. Na pandemia, os casos de feminicídio cresceram 22,2% em 12 estados, como mostram os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o sistema de monitoramento Um Vírus e Duas Guerras, uma parceria entre setes veículos de imprensa independentes, uma mulher foi morta a cada nove horas no Brasil este ano.

É preciso discutir este e tantos outros casos de machismo, estupro, feminicídio, abuso na tentativa de combater os crimes de gênero. A beleza da mulher não é um convite ao sexo não consentido. A beleza não é um desculpa para a violência contra a mulher. Uma mulher tem todo direito de usar a roupa que quiser, se comportar do modo que quiser, postar a foto que quiser. Não é isso que define seu caráter. Não é isso que define se ela está ou não ao dispor de um homem contra sua vontade. Chega a parecer insólito escrever isso, mas uma capa da Playboy nunca autorizou ninguém a cometer um crime sexual contra a protagonista das fotos. A audiência estarrecedora, e que está agora sendo questionada pela sociedade, pelo STF e pelo Conselho Nacional de Justiça, trata o modo como Mariana Ferrer expressava sua beleza de maneira tão machista que chega a parecer ficção. Por fim, como protestaram milhares de pessoas nas redes sociais: estupro culposo não existe.

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