Escola Municipal de Copacabana é tombada pela ALERJ e não será demolida
Aprovada pela Assembleia Legislativa lei que tranforma a E. M. Doutor Cícero Penna, na orla de Copa, em patrimônio histórico do Rio de Janeiro
Em votação nessa quarta-feira, 12 de maio, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou por unanimidade o projeto de lei que previa o tombamento histórico da Escola Municipal Doutor Cícero Penna, tradicional instituição de ensino localizada na esquina da Avenida Atlântica com a Rua República do Peru, no Posto 3 de Copacabana. O presidente da Câmara Municipal, Carlo Caiado (DEM), e o vereador e ex-prefeito Cesar Maia (DEM) apresentaram projeto de lei municipal para tombar a escola, mas a ALERJ se antecipou ao Legislativo municipal e garantiu o tombamento em nível estadual.
Na última sexta-feira, dia 14 de maio, a Lei 9274/21, de autoria do deputado estadual Dionísio Lins (PP), foi sancionada pelo governador Cláudio Castro, o que significa, na prática, que a escola não poderá ser vendida ou demolida. A preservação da E. M. Cicero Penna vem em boa hora, pois a Prefeitura do Rio havia enviado um projeto de Lei Complementar para a aprovação dos vereadores, contendo uma lista de imóveis municipais localizados em diversos bairros da cidade que seriam alienados; entre eles, a E. M. Dr. Cícero Penna.
Desde que essa notícia veio a público, no início de maio, cidadãos cariocas e entidades da sociedade civil têm expressado sua indignação. Horácio Magalhães, presidente da Sociedade de Amigos de Copacabana, manifestou-se contrário à venda e demolição, expressando a vontade de grande parte dos moradores do bairro, que consideram essa centenária instituição de ensino um patrimônio de Copacabana.
A comunidade escolar, composta por professores, ex-alunos, alunos atuais da instituição — e responsáveis — também se mobilizou para salvar a escola. Um abaixo-assinado chegou a recolher mais de 6.500 assinatura para tentar pôr um freio nessa ameaça de apagamento da memória local.
Descendentes do Dr. Cícero Penna, personalidade que dá nome à escola, também vieram a público para rejeitar essa ideia. O Dr. Theodorico Cícero Ferreira Penna, médico paraense de renome no Rio de Janeiro, deixou em testamento um enorme presente para a cidade. Em 1920, ano de falecimento do Dr. Cícero, o Palacete Ciceotama (que significa Cícero em tupi-guarani), localizado no mesmo lote da atual escola, foi doado à Prefeitura do Distrito Federal. Porém, a doação viria com uma condição — o imóvel deveria se tornar uma instituição pública de ensino. Transferido para o patrimônio do Distrito Federal, o palacete foi então transformado numa escola.
Infelizmente, o belo palacete, construído no ano de 1912, em estilo eclético, teve sua arquitetura bastante descaracterizada ao longo das décadas. Até os anos 60, as modificações na fachada da antiga residência do Dr. Cícero deram ao imóvel um aspecto mais sóbrio, mas ainda preservando certa elegância e beleza. Porém, em 1965, o então governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, autorizou a demolição do antigo palacete e, em seu lugar, construiu-se a o prédio da atual escola — um projeto do arquiteto Francisco Bolonha, paraense assim com o Dr. Cícero Penna. A nova versão da escola atendia aos padrões técnicos da extinta Guanabara, que modernizou muitas outras escolas do Rio, às custas de outras tristes demolições.
A descaracterização do antigo Palacete Ciceotama e sua demolição deram lugar para um prédio modernista que não tem nem de perto a beleza de seu antecessor. Entretanto, a feiura da escola não torna aceitável sua venda e posterior demolição. Não se pode considerar patrimônio apenas o que é bonito. nas palavras de um dos entrevistados do documentário “Crônica da Demolição”, de Eduardo Ades — o arquiteto Alex Nicolaeff — demolir um prédio por considerá-lo feio é uma verdadeira “eugenia predial”. Ao considerar apenas o valor arquitetônico da cidade construída — segundo padrões estritamente técnicos —, ignorando seu valor afetivo e sua importância para a memória de gerações de cariocas, estaremos perdendo muito da nossa identidade.
A alienação do imóvel da escola, com o objetivo de arrecadar recursos para o Tesouro Municipal, seria seguida de autorização para a construção de um edifício residencial ou hoteleiro de 12 andares. A manutenção da função social desse imóvel, além de respeitar a última vontade do Dr. Cícero Penna, é uma vitória da Educação carioca. A preservação desse tradicional educandário significa que o laço afetivo construído por seus 600 alunas e alunas seguirá intacto. Desde 1920, a E. M. Dr. Cícero Penna é um lugar único onde sucessivas gerações de cariocas tiveram o privilégio de viver seus anos de formação. Esse lugar, amado por muitos milhares de cariocas, corria o risco de ser simplesmente varrido da paisagem e da nossa memória.
Ainda que a Prefeitura tivesse prometido a construção de uma nova escola, é importante dizer que escolas, sobretudo aquelas que têm muito tempo de existência, são insubstituíveis. Não estamos em condições de perder nenhuma escola sequer. Instituições de ensino são lugares de memória afetiva do povo e precisam ser preservadas — sempre.
Viva a Escola Municipal Doutor Cícero Penna, Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Rio de Janeiro!
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e criador de conteúdo digital, fundou em 2012 o Instagram @RioAntigo, uma iniciativa de valorização do patrimônio cultural do Rio de Janeiro que está em vias de se tornar uma entidade sem fins lucrativos, o Instituto Rio Antigo.