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Daniel Sampaio

Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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A história das Vargens, o “Sertão Carioca”

Além de passear pela história dessa região que ainda guarda vestígios de seu passado rural, escolhemos três atrativos turísticos para você conhecer

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Atualizado em 24 jul 2024, 15h34 - Publicado em 7 Maio 2024, 16h13
A imagem mostra um mapa do Município do Rio de Janeiro que destaca uma região em seu interior chamada de "Sertão Carioca"
Mapa do livro "O Sertão Carioca" (1936) de Magalhães Corrêa, ilustrador naturalista do Museu Nacional, mostrando a extensão da região rural em volta da Pedra Branca, na Baixada de Jacarepaguá, cujo estilo de vida e cotidiano havia registrado -  (Magalhães Corrêa/Reprodução)
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A região que hoje conhecemos como os bairros de Vargem Pequena, Vargem Grande e Camorim, na Baixada de Jacarepaguá, ao redor do Pico da Pedra Branca, pertencia à sesmaria Gonçalo Correia de Sá. Em 1667, sua filha Vitória Correia de Sá fez doação aos monges beneditinos. Trata-se de uma interessante exceção, pois, ao longo do início da colonização carioca, foram os jesuítas os desbravadores do interior da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

A imagem é uma gravura de Rugendas, do século XIX, que mostra uma moenda d’água sendo usada em um engenho de açúcar. Há animais na cena, como bois e cabras. Todo o trabalho está sendo feito por pessoas negras escravizadas.
Moenda de açúcar – Viagem Pitoresca ao Brasil – 1835 (Rugendas/Reprodução)

Por ali, Frei Lourenço da Expectação Valadares criou, no século XVIII, a fazenda Vargem Grande, na antiga Estrada de Guaratiba, cujas ruínas ainda existem no “Sítio das Pedras”, localizado no número 10.636 da atual Estrada dos Bandeirantes. A fazenda Vargem Grande produziu cana-de-açúcar, mas também carne, anil e materiais de construção (tijolos, telhas e madeira), usando mão-de-obra escravizada de origem africana.

No século XIX, houve o momento da inevitável expansão de cafezais que se deu por praticamente todo o território do então Município Neutro do Império (atual Cidade do Rio). Estamos falando de uma época em que a sucessão das terras se dava no âmbito mercantil. A região foi dividida, nos idos de 1891, por duas empresas adquirentes: o Banco do Crédito Móvel e a Companhia Engenho Central de Jacarepaguá. Já pela virada do século XX, com a extinção da “Companhia Engenho Central”, a totalidade das terras foi transferida para o Banco, que teve preferência na hora de arrematar todo o resto.

Ao longo do século XX, a região foi loteada em propriedades rurais menores e sua vocação rural desabrochou, desenvolvendo lavouras que ajudavam a abastecer os mercados e feiras livres da cidade. Outra atividade rural começou a acontecer pelas “Vargens”. A criação de cavalos tornou-se um grande hábito entre os proprietários de terra entre Camorim e Vargem Grande, e muitos aproveitaram para transformar numa atividade comercial.

Vemos na imagem a capa de um livro chamado
Capa do livro “O Sertão Carioca” (1936), de Magalhães Corrêa – (website de Franklin Levy (leiloeiro oficial)/Reprodução)
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As propriedades rurais de corte, de horticultura, muitas começaram a tornar-se modelo de estabelecimentos. E todo aquele ambiente bucólico, calmo, tranquilo, tornou-se a sensação na cidade. Muita gente passou a frequentar as “Vargens”, justamente para desanuviar, relaxar; uma mudança de ares dentro da própria cidade. Afinal, era o “Sertão Carioca”, termo cunhado pelo Professor Armando Magalhães Corrêa, um protetor da natureza, um pré-ambientalista — e também ilustrador naturalista do Museu Nacional — que também se preocupava com a população rural que vivia em estado de pobreza.

Esses trabalhadores rurais eram os sujeitos daquele lugar quase mítico, e a vida não era necessariamente sempre fácil para eles. Estamos falando de meados do século XX, uma época de muita instabilidade política e econômica que refletia quase diretamente nos preços dos alimentos. Era a carestia, a inflação, às vezes até o desabastecimento — males que nenhum governo da República Populista (1945-1964) conseguiu se livrar. E quem sofria mais era esse povo do confins cariocas — sofria, inclusive, com a falta de assistência médica, algo que só foi de fato solucionado com a criação, pela Prefeitura do Distrito Federal, em 1948, do Posto Rural de Assistência (nome do atual CMS Cecília Donnangelo), na Estrada dos Bandeirantes, 21.136.

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Família de trabalhadores rurais das Vargens, na década de 1940 (Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP)/Reprodução)

O povo lavrador do Camorim e das Vargens era constantemente explorado pelo Banco do Crédito Móvel — aquele que havia sucedido os beneditinos e era dono de toda a terra. Os trabalhadores rurais muitas vezes eram surpreendidos com aluguéis que subiam escandalosamente, entre outros abusos. Chegou a existir uma Liga Camponesa de Jacarepaguá, da qual a região das Vargens fazia parte.

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A segunda metade do século XX trouxe para a vizinha Barra da Tijuca (e, consequentemente, para a Baixada de Jacarepaguá) novas possibilidades de expansão e desenvolvimento. A cidade queria e precisava expandir-se rumo ao Oeste. No governo de Negrão de Lima (1968/1971), governador do extinto estado da Guanabara, o arquiteto Lúcio Costa desenhou seu plano piloto para a Barra. Não era um plano exatamente pensado para as Vargens e Jacarepaguá. Mesmo tendo sido pensado primordialmente para o miolo da Barra, inevitavelmente a Estrada dos Bandeirantes e as Vargens sofreram também o impacto de seus desdobramentos.

Ilustração que mostra o plano piloto da Barra da Tijuca, feito por Lúcio Costa, no final dos anos 1960.
Mapa da Barra da Tijuca feito por Lúcio Costa para o Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá – (Edmundo Musa/Arquivo pessoal)

Com a urbanização e a expansão da Barra da Tijuca, que se deu de maneira exageradamente veloz, especialmente a partir da década de 1980, Vargem Grande e Vargem Pequena sofreram consequências. Apesar de ainda preservar o aspecto tranquilo, arborizado e bucólico, a região sofreu um processo de urbanização e perdeu grande parte da vida rural. As Vargens da contemporaneidade parecem insistir na proximidade com a natureza (sobretudo do Parque Estadual da Pedra Branca) e no seu passado rural (basta ver quantos estabelecimentos de entretenimento e de lazer com temática rural existem por lá hoje) para construir sua narrativa atual como lugar(es) em nossa realidade predominantemente urbana e (quase sempre) caótica.

Para manter a sua identidade e, sobretudo, sua camada de vegetação nativa, a região precisa olhar com cuidado para a expansão imobiliária e proteger suas áreas de proteção ambiental a todo custo. Segundo o Instituto Pereira Passos (dados de 2001), apenas 28,49% da área total do bairro é urbanizada e/ou alterada.

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Um muro foi construído, em 2011, entre o condomínio e a favela, em Vargem Pequena.
Um muro foi construído, em 2011, entre o condomínio e a favela, em Vargem Pequena – (Custódio Coimbra/Agência O Globo)

Mas a expansão da população em direção às “Vargens” continua. Moradias de baixa renda que, por necessidade, se instalam em áreas de risco, construções que avançam sobre as matas, por vezes com a milícia como protagonista. Esses são problemas reais de Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande. E ainda nem comecei a falar de Saúde e Educação.

Vale também ressaltar que a região tem alguns atrativos turísticos muito interessantes, que carregam justamente toda essa história que comentamos. E tem também belíssimos atrativos naturais, culturais e gastronômicos. Vamos ver nossos três escolhidos?

Capela de Nossa Senhora de Monserrate – Estrada dos Bandeirantes, junto à estrada do Mato – Vargem Pequena

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A Capela de Nossa Senhora de Monserrate, do século XVIII, uma das joias do Império, na Estrada dos Bandeirantes, em Vargem Pequena – (Thiago Esteves (stevez.com.br)/Reprodução)

Considerada uma das joias do Império, essa capela foi construída entre 1732 a 1768, e passou por restauro recente, inclusive do seu altar-mor, uma relíquia feita por artesãos populares do século XVIII. Ficava nas dependências de uma fazenda beneditina, mais especificamente em Vargem Pequena. A Igreja tem estilo colonial rural, em um outeiro de onde se descortina uma bela vista panorâmica da região a 130 metros de altura. Ela é um dos bens tombados pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) desde 1979. Hoje é uma das queridinhas dos casais para cerimônias.

IGREJA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE – Estrada do Camorim, 925 – Anil, Jacarepaguá

A imagem é uma fotografia de uma capela azul e branca muito simples. Há carros parados em frente.
A Igreja de São Gonçalo de Amarante, no Camorim, em Jacarepaguá: uma das mais antigas estruturas da nossa cidade, de 1625 – (Vinício Antônio Silva (obomdorio.blogspot.com)/Reprodução)

Uma das estruturas mais antigas da nossa cidade está bem ali no Anil, na Estrada do Camorim. A Igreja de São Gonçalo do Amarante é anterior à doação feita ao Mosteiro de São Bento. Foi construída em 1625, no Engenho do Camorim, a mando do próprio Gonçalo de Sá. Em 1667, sua filha doou as terras aos beneditinos e isso inclui também antiga capela, hoje elevada a Igreja. Sofreu modificações no final do século XVIII, aumentando volume, interior e até o telhado.

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QUILOMBO CAFUNDÁ ASTROGILDA Caminho do Cafundá, S/N – Vargem Grande (Parque Estadual da Pedra Branca)

Quilombolas pintam mural no Quilombo Cafundá Astrogilda, em Vargem Grande.
Quilombolas pintam mural no Quilombo Cafundá Astrogilda, em Vargem Grande – (Revista Barra Legal/Reprodução)

Reconhecido entre 2013 e 2014 pela Fundação Palmares, o Quilombo Cafundá Astrogilda é um genuíno território de resistência do povo negro em pleno Município do Rio. Lá podemos encontrar os descendentes de Astrogilda, a matriarca da família Santos Mesquita. A colunista Rita Fernandes fez uma visita ao quilombo em março de 2021 e escreveu um relato fascinante que você pode ler clicando aqui. Esse lugar de suma importância para a herança africana carioca está coladinho com o Parque Estadual da Pedra Branca, que você pode acessar de lá mesmo (com direito a trilha, rio e cachoeira).  Além de poder visitar o Museu Cafundá Astrogilda, que guarda a memória do quilombo e do terreiro de Umbanda de Astrogilda, há também a experiência gastronômica com o Bar da Nilza e o restaurante Tô na Boa, ambos super recomendados no texto da Rita. Imperdível, não acham?

A imagem mostra pessoas caminhando numa trilha em meio à mata. Há placas com setas indicando as atrações naturais do local.
Trilhas do Parque Estadual da Pedra Branca percorrem caminhos feitos por gente escravizada que fugia das fazendas no Camorim – (Pedro Teixeira/Agência O Globo)

*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundador do perfil @RioAntigo no Instagram.

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