“Sorria, você está na Barra”: conheça a história da “Miami brasileira”
A trajetória desse enorme areal inabitado que se tornou a promessa de um novo Rio de Janeiro
A região onde hoje se encontra o bairro da Barra da Tijuca já foi ocupada pelos tupinambás até a chegada dos europeus, no século XVI. Conta-se que a esquadra comandada por Gaspar de Lemos, que saiu de Lisboa em 1501 e “achou” o Rio de Janeiro, navegou quatro léguas a Oeste e encontrou a Barra da Tijuca, que desprezou por não ser propícia a receber nem mesmo pequenas embarcações. Seguiu adiante pela Restinga da Marambaia até achar a Ilha que chamou de Ilha-Grande-dos-Magos (atual Ilha Grande), por ser então 6 de janeiro de 1502.
Diferentemente de outras áreas rurais do Rio de Janeiro, a Baixada de Jacarepaguá não foi explorada pelos jesuítas. Foi sesmaria cedida à família Sá, de Coimbra, após a expulsão dos franceses que culminou na fundação da cidade, em 1565.
O português Salvador Correia de Sá, o “Velho”, primo de Estácio de Sá, militar português que fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, e primo de Mem de Sá, governador-geral do Brasil, foi governador do Rio de Janeiro e recebeu a sesmaria da Baixada de Jacarepaguá no século XVI, além de glebas de terras na atual Tijuca. Com sua morte, em 1594, seus filhos Martim e Gonçalo herdaram essas terras. A metade ocidental da sesmaria ficou com Martim de Sá.
A parte oriental da sesmaria, que era de Gonçalo de Sá, ia do Campinho, passando pelo Tanque e chegando até as lagoas da Tijuca, do Camorim, de Jacarepaguá e do Marapendi, além dos Campos de Sernambetiba. Apesar de essa sesmaria conter a área onde hoje está a Barra da Tijuca, seus engenhos ficavam nos atuais Anil (Engenho d’Água) e Gávea (Rua Faro). Isso se deve ao fato de que a atual Barra sempre foi uma grande área alagadiça, com matas de restinga, impróprias para o cultivo se comparada com Jacarepaguá.
Em 1667, meses antes de seu falecimento, Vitória Correia de Sá, filha de Gonçalo, deixou em testamento um legado aos monges beneditinos: suas terras na Baixada de Jacarepaguá, incluindo a Barra da Tijuca.
Com o passar do tempo, os monges beneditinos foram vendendo parte das terras da Barra da Tijuca a particulares, provavelmente pela necessidade de capitalização, em virtude do custeio de suas atividades eclesiásticas. Os donos de algumas dessas propriedades publicaram anúncios nos classificados de jornais do século XIX, revelando uma mudança da cultura canavieira para o café e também o uso de mão de obra escravizada.
No anúncio abaixo, percebe-se que a Barra da Tijuca era também destino de pessoas escravizadas que conseguiam fugir de seu cativeiro, talvez pelo difícil acesso e pela grande extensão de suas terras, muitas delas desocupadas.
O INTERESSE PELA BARRA NA BELLE ÉPOQUE
A construção das estradas que levavam da Tijuca (então chamado de Andarahy) até a Barra da Tijuca pelo Alto da Boa Vista (então chamado de Tijuca) remonta à segunda metade do século XIX. Esses melhoramentos conectaram de forma eficiente o elegante bairro da Tijuca à então selvagem Barra da Tijuca, pelo Itanhangá. Finalmente o bairro podia ser acessado de outra maneira que não pelas antigas estradas de Jacarepaguá. Era o começo de uma nova era para a Barra; não mais apenas um longínquo logradouro rural, mas também um destino de lazer e turismo.
A Barra da Tijuca era destino muito desejado por cariocas que queriam fugir do caos e insalubridade urbana do Rio e respirar ar puro. Isso foi facilitado durante a administração de Pereira Passos (1902-1906), que urbanizou e melhorou antigas estradas da Floresta da Tijuca, como a Estrada de Furnas, e construiu novos logradouros no Alto da Boa Vista, como a Praça Afonso Viseu.
Em coluna do jornal “Gazeta da Tarde” de 7 de novembro de 1890, descreve-se muito bem a visão daquela época sobre a Barra da Tijuca e arredores:
“Um passeio campestre a esse lugar é delicioso. (…) O visitante que gosta de curiosidades encontra nesse local as melhores paisagens. (…) Infelizmente entre nós ainda não está desenvolvido o gosto pelos piqueniques, pelos passeios campestres que tão necessários são para o corpo e para o espírito. É por isso que vemos muita gente não escolher um domingo ou um feriado para um passeio a esse e a outros pontos desta cidade, onde se pode passar um dia alegre e infiltrar nos pulmões um ar mais puro e oxigenado.”
O INÍCIO DA OCUPAÇÃO
A novidade Barra da Tijuca, que passou a ser cada vez mais visitada, rendeu interesses e frutos comerciais. No início do século XX, grande parte das terras da Barra da Tijuca foi vendida à Empresa Saneadora Territorial e Agrícola S.A. (ESTA), que decidiu realizar loteamentos por volta da década de 1930. O lugar escolhido foi a atual região da Barrinha, devido à proximidade com a Estrada do Joá, que havia sido construída em 1929 pelo Prefeito Prado Júnior.
A segunda metade do século XX trouxe para a Barra da Tijuca (e, consequentemente, para a Baixada de Jacarepaguá) novas possibilidades de expansão e desenvolvimento. A cidade queria e precisava expandir-se rumo ao Oeste.
No início da década de 1950, o Itanhangá tornou-se a nova fronteira da expansão imobiliária na Barra. Com o sucesso do Itanhangá Golf Club, inaugurado em 1933, o empreendimento da empresa Sul América Capitalização, “Jardim da Barra”, bem em frente ao clube, tornou-se a sensação do momento. Vejamos um anúncio publicitário de 1951:
A Barra da Tijuca ainda era um vasto areal desabitado nessa época. Os esforços de ocupação da região ainda esbarravam no difícil e limitado acesso, que ainda era feito apenas pela Estrada do Joá e pelo Alto da Boa Vista. Faltava ainda viabilizar um acesso de massa para o novo bairro — algo que só ocorreria nas décadas seguintes.
Nos anos 1940, durante a administração do Prefeito Henrique Dodsworth, mais um acesso importante à Barra começou a ser construído: a Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Somente no final da década de 1950 a via foi completada, com o final do trecho mais próximo a Jacarepaguá (Estrada dos Três Rios). Começa um “boom” imobiliário e populacional em bairros como Taquara e Freguesia que, assim como a Barra da Tijuca, eram considerados o “Sertão Carioca”, por serem selvagens ou então rurais.
A BARRA CRESCE E APARECE
Em 1969, a cidade precisava expandir-se para oeste e aquele que talvez seria o mais importante acesso à Barra foi criado: a Autoestrada Lagoa-Barra, com o Elevado do Joá. Essa obra terminou em 1971, encurtando as distâncias entre a Barra e a Zona Sul, por meio de uma via expressa de grandes proporções e enorme capacidade.
Durante o mandato do ex-Prefeito do Distrito Federal Francisco Negrão de Lima (1968/1971) como governador da Guanabara, o arquiteto Lúcio Costa desenhou seu plano piloto para a Barra, quase uma década depois da implantação de Brasília, cujo plano piloto também havia sido desenhado pelo famoso urbanista.
O desenho de Lúcio Costa era um plano modernista, que dividia o bairro em setores, prevendo grandes conjuntos de torres circulares cercadas por parques e jardins. Pouco desse plano se concretizou de fato, com o bairro crescendo de maneira desordenada e vertiginosa.
Em 1970, deu-se início à construção da ponte na saída do Túnel do Joá, até hoje o principal canal de acesso de quem chega à Barra pela Zona Sul.
Com o trajeto já marcado, a Avenida das Américas passou a existir, por decreto, a partir dos anos 50. Fazia parte da BR-101, a tradicional Rio-Santos. Pavimentada nesta década, só recebeu a primeira duplicação em 1976. Outra ampliação nos primeiros seis quilômetros aconteceu em 1994. Hoje, tem 40 km de extensão
Desde a sua criação, a Barra da Tijuca foi marcada pelo rápido crescimento urbanístico e populacional. Com área praticamente desabitada nos anos 1960, registrava 24.126 habitantes em 1980. Esse número saltou para 63.492 habitantes em 1991.
Com a expansão, vieram os problemas, como a falta de saneamento básico e os engarrafamentos quilométricos, a exemplo do registrado na foto, em dezembro de 1989. À época, os atropelamentos eram um dos problemas mais urgentes da Avenida das Américas. O plano Lúcio Costa previa passagens para pedestres sob a pista, o que foi cumprido apenas nos primeiros condomínios, como Nova Ipanema e Novo Leblon.
A Barra seguiu crescendo e atraindo enorme interesse do setor imobilário (que lá ergueram diversos condomínios), de importantes empresas que lá instalaram suas sedes, de redes de hotéis, locais de cultura e também de inúmeros centros comerciais. Nos anos 1990, dizia-se que para lá se mudavam os “emergentes”. Sua infrastrutura expandiu, ainda que com problemas graves a serem resolvidos, sobretudo na questão de transportes e meio ambiente. Em 2016, a hoje chamada “Barra Olímpica” (antes parte de Curicica) recebeu os Jogos Rio 2016, um momento em que o bairro esteve na vitrine do mundo inteiro. “Sorria, você está na Barra!”
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundador do perfil @RioAntigo no Instagram.