Recebo o Whatsapp da amiga com um lindo texto sobre a renovação das nossas intenções, na virada do ano. Falava da alegria que é preservar nossa amizade e achei uma graça.
Cá estou, na Veja Rio, renovando minha intenção de seguir ranzinza, em 2022.
Não quero parecer retrógrada, bolorenta, pessoa grudada no passado; vejo valor em muita novidade e costumo ser “primeira entrante” em aplicativos, só para entender se servem a mim ou ao meu negócio. Mas chega o fim do ano e começam a pipocar as notícias sobre tendências.
O que a nova geração estará comendo? E como?
Depois de muita leitura, fiquei com o humor esquisito.
Vejo graça no TikTok, confesso, mas desde cedo entendi que era terreno movediço. Tenho medo de mergulhar num vídeo divertido, me perder naquele troço e acordar lá para 2025 sem ter feito mais nada, com um olhar de zumbi, o negócio falido, filhos com fome e a casa de pernas para o ar. Melhor não…
Há alguns meses, soube que algumas receitas preparadas por TikTokers levaram à falta de alimentos nas gôndolas dos supermercados. Uma delas, feita com um tipo diferente de maionese, fez com que o potinho sumisse dos supermercados. Inacreditáveis SETE milhões de seguidores da “trend” conseguiram esgotar um produto nas prateleiras, só por fazerem a mímica da preparação.
Eu poderia celebrar a vitória dos fabricantes de maionese ou enxergar nessa tendência uma grande oportunidade para o varejo, mas não consegui. Fiquei algumas horas tentando entender o que senti.
Li que o TikTok planeja abrir 300 cozinhas nos EUA até março, talvez 1000 até o fim do ano, só para executar e colocar sua marca nessas receitas de sucesso. Em parceria com outra plataforma que descobre restaurantes com capacidade ociosa, a rede social alugaria espaços para executar as receitas de grande demanda. Outro parceiro estratégico entregaria o prato a quem quisesse comprar, ficando o autor da receita com uma parcela do lucro.
Somos o segundo país que mais adere àquela rede. Natural que a onda pegue aqui.
A ideia é brilhante; uma migração do virtual para o real, sem grandes custos fixos. E por que eu continuava me sentindo esquisita?
Comer, para mim, é um ritual de imenso prazer. Uma devoção que começa na escolha dos ingredientes, passa pelo preparo e culmina no momento lindo de levar a receita à boca. Nem sempre acaba bem, é fato, mas o caminho me importa.
Não precisa ser assim para todos, claro. Pode ser algo divertido, como um videozinho de até 3 minutos que fez brotar a vontade de preparar um hambúrguer.
A imitação de receitas existe desde sempre. Clássicos como o créme brûlée ou uma massa alla carbonara só viraram clássicos porque foram copiados à exaustão, assim como acontece no mundo de hoje, em velocidade acelerada. A diferença é que a cópia vinha, não de uma imagem divertida ou só bonita, mas antes de tudo, de uma experiência ímpar DO GOSTO.
Quantas receitas de TikTok foram imitadas sem que o mímico tenha gostado? Quantos pratos e restaurantes são despejados no Instagram sem que o autor tenha vontade de repeti-los? Quantos posts de comida boa foram retirados do ar porque não tiveram curtidas suficientes? Quantos textos sobre comida foram curtidos e não lidos? Fazer uma receita famosa é mais ou menos importante do que fazê-la gostosa?
A velocidade da Era das Imitações não permite grande senso crítico. Às vezes, ele chega bem tarde, deixando um gosto ruim na boca.
Sempre analisei tendências com esperança, tentando tirar o que sobra de melhor nos novos tempos. Dessa vez, não consegui.
Assim como a palavra “viralizar” me soa tão esquisita depois da pandemia, a “trend”, como sinônimo de sucesso, pode estar levando à robotização das pessoas, à ingestão de calorias vazias, carentes de substância ou propósito. Não acham?
Pois é… Eu disse que continuaria ranzinza.