
Nossa paixão por chocolates é tão grande que parece até que bebida, a barra ou o pó, sempre estiveram sentadinhos neste lugar: o do prazer.
Mas não foi bem assim.
– Essa bebida é tão desagradável que nem pode ser considerada uma violação da Quaresma! – disse o Papa Pio V, em 1569, quando provou chocolate pela primeira vez. Uns anos mais tarde, o historiador milanês Girolamo Benzoni disse em seu livro “História do Novo Mundo” que o chocolate mexicano era “mais uma bebida para porcos do que para a humanidade”.
Não, eles não estavam loucos. O líquido amargo, batido e misturado com especiarias, vinho ou purê de milho que os astecas tomavam há milênios, nada tinha a ver com a bebida doce que hoje chamamos chocolate.
Muito antes de ser prazer, foi moeda. Em sua quarta expedição pela América, Cristóvão Colombo captura uma canoa de comércio maia que passava pela pequena ilha de Guanaja. O carregamento? Sementes de cacau. Não era uma mercadoria qualquer. No registro da viagem, seu filho relata o desespero com que os maias catavam as amêndoas que caíam, como se os olhos tivessem lhes saltado da órbita.
Natural, que o fizessem. Já em 1200, as pequenas e preciosas sementes eram um dos mais importantes tributos cobrado pelos astecas quando começaram a governar territórios no México.
O feliz casamento do chocolate com a cana de açúcar ainda não havia acontecido. E, mais uma vez, muito antes de ser prazer, foi ração para soldados astecas, mexicanos, espanhóis e aqui no Brasil.
Em 1755, mirando no monopólio da exportação de cacau amazônico para Lisboa, o Marquês de Pombal criou a Companhia do Grão Pará e Maranhão. Em 10 anos, o cacau brasileiro já representava 10% da produção mundial. O fato de ser abundante, não ajudava o consumo. Os portugueses daqui preferiam chá e café, hábito adquirido nas colônias da Ásia. Já a animação dos nativos dependia, mesmo, do guaraná.
Como as doenças dos trópicos causavam imensa mortandade e minavam a mão-de-obra das colônias, o chocolate virou prescrição médica, em 1820. No Hospital Real Militar da Côrte do Rio de Janeiro, por exemplo, o chocolate nacional era produto a ser reservado exclusivamente aos soldados doentes e distribuído em intervalos regulares como parte de sua recuperação.
Aliás, um parêntese: o “chocolate militar” é ração das forças armadas americanas desde 1937. Pra quem não sabe, os M&M’s foram criados em 1941 por Forrest Mars, com casca dura para que os soldados pudessem transportá-los em países de clima quente, durante a guerra.
Mas quando virou prazer? Difícil precisar, mas há pistas na história. E uma delas acontece no sombrio capítulo da Inquisição Mexicana.
Assim como já acontecia na Europa, poderes inquisitórios foram delegados aos bispos da Nova Espanha, em 1527. Ao Inquisidor Geral para o México eram levados casos de supostos hereges e apóstatas, para julgamento. E qual não foi minha surpresa quando li que, em 23 julgamentos, havia chocolate no meio usado de forma “não cristã”. Seria engraçado, não fosse uma ou outra história ter terminado com gente presa, queimada na fogueira e tal.
Uma freira foi julgada por ter oferecido chocolate para Santo Antônio. Um padre, por ter abandonado a missa pra beber chocolate com outra mulher, mas a imensa maioria dos casos envolvia feitiçaria: chocolate misturado com sangue menstrual oferecido ao homem amado era tido como a mais eficaz poção do amor. Eu sei (eca, credo, que nojo), mas tinha que contar.
Os poderes afrodisíacos do chocolate já eram conversa do povo quando foi levado para a Espanha, mas seu status mudou de vez quando Ana da Áustria – a infanta espanhola que se casou com Louis XIII – decidiu levar para a Côrte francesa a exótica bebida da América, e oferecê-la aos convidados às segundas, quartas e quintas. Convenhamos: hoje ou em 1600 e blau, se uma rainha recomenda um troço, as chances de virar moda são imensas.
A essas alturas, chocolate já era tônico, afrodisíaco, já era doce, já era moda, chocolatarias se multiplicaram por todo o Mundo, e aqui estamos.
Hoje, é importante lembrar que além de consolo na quarentena, alegria nos olhos dos filhos, fuga da realidade em forma de ovo, a indústria de chocolates brasileira gera mais de 10 mil vagas diretas ou indiretas de emprego, nesta época do ano.
Chocolate, finalmente, também é pão. Feliz Páscoa a todos.