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Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação
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O chá saiu do armário

Com educação e boa dose de insistência, o chá especial sai da despensa de casa e se firma nas mesas dos bons restaurantes

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Atualizado em 10 Maio 2023, 09h37 - Publicado em 23 out 2022, 07h19

Para percorrer a “Antiga Rota do Chá e dos Cavalos”, na China, o sujeito tinha de encarar um sobe e desce por dezenas de montanhas e cruzar com meia centena de rios, por entre paisagens que iam do deserto à neve. Parece difícil? Pois o caminho do brasileiro até o chá foi um pouco mais complicado…

Não, não estamos ainda num momento de falar sobre chá branco, preto ou verde, sobre pu-erh, lapsang souchong ou kukicha. Se o chá fosse vinho, estaríamos numa fase anterior à de “branco ou tinto?”. 

Vá a qualquer restaurante e diga: 

– Eu gostaria de um chá, por favor.

– Tem camomila, jasmim, cidreira, capim-limão…

– Não, isso é tisana. Eu queria um chá, da planta do chá, mesmo.

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– Tem mate da casa.

– Não, mate também não é planta de chá. Isso aí é uma infusão de erva-mate.

– Mas como assim, não é chá-mate?

Pois é… 

Por uma infinidade de motivos que vão desde nossa herança indígena de infusões medicinais até a onipresença do grito “alô limão, alô mate!” na praia, costumamos achar que é tudo a mesma coisa. Mas quem sabe, sabe…. Chá MESMO, só a bebida feita com a planta camellia sinensis. 

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Até os órgãos responsáveis pela classificação da importação de chás costumam fazer confusão, daí a dificuldade de obtermos números definitivos sobre o crescimento do consumo. 

Falando com Carla Saueressig (minha referência maior no assunto), cheguei à conclusão de que o jeito é apelar para a equação: produção nacional + uma ave maria + números de importação + um pai nosso – (menos) números de exportação = consumo nacional. 

Para simplificar o caminho na cabeça do consumidor brasileiro e evitar entrar em discussões semânticas, educadores e comerciantes de chás passaram a chamar a infusão feita a partir da planta camellia sinensis (sejam folhas, flores ou raízes), de “chá especial”. 

PEQUENO RESUMO DA MINISSÉRIE CHÁ, NO BRASIL

A maioria dos instagrammers e tiktokers que escolhe posar numa das paisagens mais lindas do Rio de Janeiro, a da Vista Chinesa, não sabe que o pagode erguido em 1903 pelo Prefeito Pereira Passos foi uma homenagem aos chineses que aqui chegaram para o plantio do chá no Jardim Botânico, incentivado pela família real que fazia do lugar um laboratório de pesquisa para diversos cultivos europeus.

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Sim, o Brasil foi o primeiro produtor do Ocidente, mas a tentativa falhou lindamente e só pegou no início do século XX, com imigrantes japoneses que se instalaram no Vale da Ribeira, em São Paulo. 

Segundo as educadoras Carla Vicente e Carol Tavares, da Escola Brasileira de Profissionais e Empreendedores do Chá (“Chá Pra Quê!?”), parte do problema começou no início do século XX. Por conta das dificuldades de importação, decidimos adotar uma solução caseira: tostar a abundante erva mate para fazer as vezes de chá preto, o que contribuiu para a sua substituição e pela grande confusão de nomenclatura nas décadas seguintes. 

Acontece que o chá é a segunda bebida mais consumida no Mundo, depois da água. Um consumo que se deu inicialmente das classes mais altas, cresceu em todas as outras, apesar da concorrência quase desleal do mate e do café.

Uma coisa ajudou. Na onda de termos como “mindfulness” e “wellness”, quisemos entender também sobre chás, inicialmente dentro de sua vocação medicinal, ampliada pela Covid. Segundo Carla Saueressig, na pandemia houve grande interesse por alternativas ao café e um aumento significativo na procura por cursos online. Assim como brotaram cozinheiros que comercializavam pratos e sanduíches feitos em cozinhas domésticas, surgiram inúmeros “tea blenders” criando misturas autorais dentro de casa e ganhando dinheiro com isso. O mercado emergente e empolgado fez nascer algumas marcas boas e outras tantas, péssimas. Entre mortos e feridos, o consumo aumentou, e muito. 

A HORA DO CHÁ BRASILEIRO

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Folhas de chá
Folhas de chá (Bel Augusta/Arquivo pessoal)

O Brasil produziu um imenso volume de chás no século passado, mas de baixa qualidade. Tomou uns tombos no câmbio e perdeu muito espaço no mercado internacional, levando ao fechamento de várias fábricas de chá.

Segundo a didática dupla da Chá Pra Quê!?, “a nova era do chá” teria começado em Registro, que fica no Vale da Ribeira (SP) e é considerada a capital do chá do Brasil. Ali, em 2014, a Sra.Ume Shimada com 87 anos de idade, para preservar a tradição da região, decidiu reabrir a sua fábrica e o Sitio Shimada. Com a ajuda de dois japoneses, começou a produzir chás artesanais, orgânicos, de alta qualidade e com cara e sabor de Brasil. Seu chá branco é tão especial que, antes mesmo da colheita, a safra já foi toda vendida para apreciadores.

E a guinada continuou com o Sítio Yamamaru, com grande foco em sustentabilidade, que passou a produzir chás verde e preto agroflorestais. 

O mesmo caminho foi trilhado por empresas como Amaya e Yamamotoyama, que apesar dos grandes volumes, também vêm investindo crescentemente na qualidade e excelência do chá nacional.

Hoje, como me conta Carla Sauaressig, em dados levantados junto aos produtores, a produção brasileira está em aproximadamente 200 toneladas/ano. É coisa pacas.

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Aliás, a safra brasileira está no auge e, quem quiser conhecer mais sobre os chás do Brasil, pode fazer a Rota do Chá, idealizada e criada por Yuri Hayashi, fundadora da Escola de Chá Embahú, agora na 6ª edição presencial. Cada vez mais procurada, a visita aos chazais acontece de 3 a 6 de novembro, em Registro, e envolve visitas guiadas aos principais pontos de interesse e produtores e participação na colheita. 

BONS CHÁS, NACIONAIS OU IMPORTADOS, EM RESTAURANTES DO RIO DE JANEIRO

Em restaurantes de hotéis sempre houve grande oferta, até por conta dos hábitos dos turistas, mas por muito tempo os restaurantes de rua tinham dificuldades de trabalhar bem o produto. 

De acordo com a especialista Érika Koyabashi, a hora é de descomplicar e desmistificar para aumentar o interesse. Érika, que fica 8 meses no Brasil e 4 em Portugal colaborando com a marca de chás Camélia, faz um belo trabalho em torno da cerimônia do chá. 

“Para se fazer um bom chá, não são necessários muitos apetrechos como termômetros, chaleiras diversas, louças, teamakers etc. A sofisticação se torna mais necessária à medida em que o interesse aumenta, no longo prazo, mas mesmo sem um termômetro e uma chaleira, com um coador, um utensílio de vidro e uma xícara é possível se fazer um bom chá. O caminho maior é o do consumidor e envolve um aumento da sensorialidade para ampliar a apreciação da bebida.”, diz Érika. 

Aliás, a melhor embaixadora dos chás da Camélia no Rio de Janeiro é a carioquíssima Bel Augusta, que apesar de ter se formado em História da Arte e Design Gráfico, acabou se envolvendo em gastronomia e fazendo relações públicas de marcas gigantes, como a Nespresso, e agora se vê fazendo um trabalho semelhante com os chás. Hoje, morando em Portugal, usa os chás da Camélia para produzir suas deliciosas kombuchas Home Lab. Segundo ela, para se fazer uma boa kombucha é preciso ter o melhor chá (mas essa é outra coluna…).

Bel Augusta e o chazal
Bel Augusta e o chazal (Bel Augusta/Arquivo pessoal)

CIPRIANI

A carta selecionada pelo estudioso e competente Ed Arruda tem chás verdes, pretos, brancos ou oolong de excelente qualidade, importados pela Talchá. Além da variedade, Ed investiu bastante nas louças e no serviço. 

OTEQUE

Depois de uma visita ao Sítio Shimada, que a encantou, Laís Aoki, sommelière do restaurante e sempre precursora, faz um trabalho de valorização dos chás nacionais. Ali, podemos provar os chás preto e o cobiçadíssimo branco do Sítio Shimada. Diz que fazem grande sucesso com público de estrangeiro e igual espanto no público local.

SULT 

Foi Bel quem me contou que os chás da Camélia tinham desembarcado no Sult. A sommelière Lolô Riccobene conta que a iniciativa foi do sócio Nelson Soares que queria trabalhar com um produto de alta qualidade ligado a vinhos, a bebida carro-chef da casa. Além do Pipachá da Camélia, um oolong orgânico afinado em pipas de vinho do Porto, a casa também serve o Sencha e o Luso (chás verdes) e o Koucha (preto). O treinamento foi todo feito por Érika Kobayashi, de passagem pelo Rio na semana passada. 

IRAJÁ

No Irajá, Ju Carrizzo faz seus próprios blends de camellia sinensis para o menu harmonizado de Pedro Artagão. Procura apresentar chás com elementos dos vários biomas brasileiros e muda os ingredientes presentes no chá a cada prato. 

*

Por fim, temos uma marca muito carioca, a Espírito do Chá, que faz blends artesanais, naturais, autorais, sem conservantes ou aromatizantes. 

Os ingredientes, em sua maioria, são obtidos através em pequenos produtores que usam técnicas de plantio naturais, com redução ou eliminação de agrotóxicos no processo. São lindas, as embalagens, com blends poéticos inspirados nas paisagens e na alma do Rio batizados de Montanha, Mar, Floresta e Cidade. 

Se um mercado que engatinha já tem tanto assunto, imaginem quando pegar de vez?

E viva a hora do chá.

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