Minha mãe tem obsessão por histórias de assassinato domésticas.
Em almoços de família, de tempos em tempos, conta o caso da mulher que juntava à comida do marido um tantinho de cabelo cortado milimetricamente, todos os dias, até que o infeliz batesse as botas. Ou ainda, a da outra que picava comigo-ninguém-pode “fininha assim feito couve, minha filha!”, até que o marido desencarnasse.
Por via das dúvidas, espiamos o feijão, farofa e verdes do prato com um sorriso nervoso. Até hoje, sobrevivemos.
Mas essa coisa de morte caseira artesanal já foi mais difícil.
Nós, superpredadores, com expectativa de vida de quase 80 anos, não chegamos aqui ao topo da cadeia alimentar por acaso: aprendemos (com acertos e erros) a descobrir nutrientes em várias fontes. O problema é quando o erro é fatal.
Tenho medo de quem se isolou na montanha e anda forrageando pelos campos, em busca de coisas originais. Virou moda, por exemplo, achar que tudo pode ser PANC (plantas alimentares não convencionais).
Quem nasceu em fazenda, pensa duas vezes. Não é incomum saber de vaca que topou com a erva-de-rato, que também atende pelo nome inocente de cafezinho, e ruminou sua própria morte, ou ainda de cavalo que engoliu lantana, também chamada de “margaridinha” e… pocotó. Nada contra as plantinhas não convencionais, inclusive adoro várias: azedinha, peixinho-da-horta ou taioba, pra dar uns exemplos.
Mas o perigo da moda em mãos irresponsáveis se tornou evidente quando um amigo postou em redes sociais uma cesta de legumes orgânicos e PANCs que recebera de presente de um “novo” produtor. O agricultor novato decidiu VENDER – o gênio – uma planta que não conhecia, supostamente cheia de propriedades antioxidantes etecetera e tal. Era folha altamente tóxica quando crua, e também tolerada só em baixíssima quantidade, quando cozida. Salvei o amigo por inbox.
Sempre morri de medo de passeios, do tipo: “vamos catar cogumelos ali na Serra, para o almoço!” O Google não tem convênio com o hospital, minha gente. É bom não confundir um cogumelo de esporos verdes com um Paris ou um shiitake com amanita-pantera. Quem avisa amigo é.
David Mansaud, um dos chefs mais apaixonados por legumes, frutos, verduras que já vi, e grande pesquisador do assunto, prudentemente perguntou a várias pessoas (antes de comer) se alguém sabia que fruta era aquela que descobrira ao caminhar pela floresta da Tijuca. Felizmente, soube a tempo que se tratava do juá bravo, frutinha com jeito mini-melancia inocente, mas extremamente venenosa.
Com toda a pesquisa que faço, também escorrego. Me encantei com o peixe prego, da primeira vez que meti na boca. Aquele peixe gordo, redondo, untuoso, me fez feliz. Provei 6 lascas em sashimi num restaurante e gostei tanto que repeti a dose. Os doze pedaços me renderam 3 dias de piriri ininterruptos; matemática cruel que podia ser evitada por um garçom bem informado ou uma casa comprometida com a comida que serve.
Nos dias de hoje, com um mundo que compete por novidades, minha mãe ainda vai ter muita história pra contar.
Qualquer dia, um assassino sonso pode dizer que se confundiu. “Seu Delegado, achei que era malvavisco e fiz um aviãozinho até a boca da Gertrudes e… PANC! Morreu de onomatopeia.”