Hackeando a lógica da produção de conteúdo
Com grupos de estudos coletivos e bastidores de gravação de um podcast, o apresentador Caio Braz destaca-se pela profundidade e reflexão na internet
No competitivo universo dos criadores de conteúdo da internet onde todos querem dar a sua opinião sobre acontecimentos diários que ilustram as manchetes e incitam a opinião pública, leva a melhor quem reserva algum tempo para refletir e elaborar pensamentos antes de postar. No afã de querer se posicionar rapidamente, surfar na entrega dos algoritmos que privilegiam assuntos trending e levantar bandeiras para demarcar território, creators de diferentes segmentos têm optado pela velocidade em detrimento da qualidade. Neste cenário, estamos acompanhando uma rede digital inundada de achismos, com opiniões rasas e pobres de repertório, que influenciam seguidores a continuar o efeito em cadeia e reverberar tweets, posts, vídeos e Stories de pouca profundidade. É exatamente o oposto que precisamos em um momento tão delicado quanto o que estamos vivendo onde o caos político, econômico, moral, social e científico não para de nos munir de insumos diários.
Na contramão deste movimento, destaco exemplos como o do apresentador Caio Braz, recifense de 33 anos, jornalista com a maior parte da carreira dedicada a programas de moda e comportamento no GNT. Caio é o exemplo de quem parou pra pensar e resolveu escutar, gerar reflexão de qualidade e fazer o que sabe de melhor: articular ideias. No meio da pandemia, depois que resolveu voltar a morar na sua cidade natal após toda uma vida entre Rio e São Paulo, ele foi obrigado a desacelerar após se ver sem previsão de novas datas para gravar na televisão, fato esse que acometeu boa parte da classe artística. A saída foi continuar criando conteúdo na internet como sempre fez, mas com um diferencial que, a meu ver, fez toda a diferença: ele tirou seus seguidores do grande palco barulhento que é a internet e levou-os para uma sala mais reservada, onde é realmente possível ouvir uns aos outros.
Ao criar uma campanha de crowdfunding onde qualquer pessoa que contribua a partir de cinco reais já torna-se seu associado, Caio criou um grupo de estudos coletivo e um podcast com temas quentes, convidados mensais pra lá de interessantes e, o que realmente importa: tempo para aprofundar pensamentos. Eu faço parte do grupo desde o início e só nos últimos dois meses testemunhei os seguintes encontros: um bate-papo sobre a vulnerabilidade como moeda nas redes sociais, os bastidores da gravação do podcast “Já Pensasse?” com a cantora Daniela Mercury abrindo o coração sobre a ausência do Carnaval esse ano e seu valor cultural, um grupo de estudos sobre o caso da artista visual Juliana Notari e sua obra de arte “Diva” que causou grande polêmica nas redes sociais e, por fim, um grande encontro com artistas e intelectuais nordestinos para refletirem sobre o “O que é o nordeste?”. Aulas, como sugere a gíria carioca.
Vale dizer ainda que os encontros não são palestras. São conversas. O público associado participa ativamente através dos chats das plataformas que transmitem tudo em tempo real e Caio sempre pesca insights da audiência para fomentar a argumentação. No grupo de estudos, especificamente, as câmeras ficam abertas e telas de várias partes do Brasil e do mundo vão se abrindo ilustrando a diversidade e multiplicidade de visões e saberes. É um oásis de calmaria, profundidade e reflexão em meio a textões lacradores e Stories efêmeros. Assim como ele está fazendo, há diversas outras inicativas do gênero de criadores de conteúdo que escolhem ponderar antes de concluir e eu sou uma profunda entusiasta deste movimento que aponta para uma internet mais responsável e construtiva.
Penso hoje que quem decide apostar em frear a velocidade dos algoritmos em troca de mais conteúdo é uma espécie de grande hacker de um sistema criado para estimular a reação veloz a partir da emoção. Que mais piratas do mundo digital tomem os grandes navios das redes sociais para que possamos encontrar mares mais calmos e profundos.
Carla Knoplech é jornalista, fundadora da agência Forrest, de conteúdo e influência digital, consultora e professora