Futuros possíveis
Em um momento de projeção do novo normal, pensar sobre a pluralidade dos futuros é premissa para a construção de uma sociedade mais empática
Há alguns dias assisti uma ótima palestra do futurista gaúcho Tiago Mattos no (também ótimo) Festival Oi Futuro que me fez pensar no quanto tentamos exaustivamente projetar qual será o futuro que teremos pela frente. O exercício é compreensível visto que estamos cobertos de incertezas a partir do avanço da pandemia mundial e pouco sabemos ainda sobre o desenrolar da doença, mas, notem, há uma pegadinha nessa frase. Em vez de pensarmos “qual será o futuro?” deveríamos pensar “quais serão os futuros?”, e essa mudança de perspectiva faz toda a diferença. A reflexão brilhante não partiu de mim. Partiu do Tiago, da Ammy Webb e de tantos outros estudiosos sobre o futuro que debruçam-se sobre a árdua tarefa que é prever e projetar os caminhos que nos aguardam. O ofício, entendam, não tem nada de astrológico ou holístico. O futurismo é um campo de estudo que tem como objetivo observar como as evidências encontradas na ciência, na tecnologia, no empreendedorismo e no mundo dos negócios podem afetar a sociedade como um todo. É super interessante.
Fiz o meu primeiro curso sobre futurismo com o próprio Tiago há sete anos quando falar sobre este assunto ainda era algo completamente novo e revolucionário. Consegui me inscrever na primeira turma do “Zero G”, um curso que ele havia criado para compartilhar as experiências que viveu na Singularity University (na época era muito raro ter brasileiros lá) e as quais escrevia sobre em um blog que eu acompanhava com curiosidade. As aulas foram intensas trocas de conhecimento e projeções sobre inteligência artificial, realidade virtual, digitalização do mundo e diversos outros conceitos amplos e abstratos que desde 2013 já me apresentaram um universo nada óbvio de avanços tecnológicos e científicos que precisam estar no repertório e no campo de interesse de quem trabalha com a internet. Ler e pensar sobre o futuro é uma tarefa muito mais complexa do que tentar antecipar uma campanha de marketing viral ou estar por dentro de um estudo de tendências. Analisar a nossa evolução a partir de uma perspectiva futurista é entender quais são as ferramentas que temos para construir o mundo que queremos.
“O que é futuro para um camponês pode ser o passado para uma pessoa privilegiada de uma metrópole. Mas quem disse que a realidade da metrópole é melhor?” provocou Tiago em determinado momento da palestra do instituto Oi Futuro. A pergunta se encaixou perfeitamente no momento em que estamos vivendo. Em um cenário onde estamos tentando construir um novo normal e discute-se, por exemplo, a necessidade de morar no centro, visto que há muitos trabalhos adaptados para home office, ou questiona-se a biossegurança da alimentação e os meios sustentáveis de produção do que comemos, quem leva a melhor? O camponês com certeza. Veja bem, não estou romantizando o processo, sei que há ganhos e perdas nos dois estilos de vida, o meu ponto aqui é enfatizar que os vários futuros que temos pela frente não versam sobre uma realidade só, mas sim, sobre várias perspectivas de realidades válidas e diferentes entre si.
Se tem algo que esses quase cinco meses de quarentena nos ensinaram é que precisamos pensar cada vez mais coletivamente para encontrar caminhos possíveis para um novo futuro. De maneira otimista, analítica e empática, desenhar projeções para o que a nossa sociedade vai se tornar passa necessariamente por entender que teremos vários “novos futuros” a nossa frente. E que só reconhecendo a pluralidade de todos eles é que vamos avançar verdadeiramente.
Carla Knoplech é jornalista, fundadora da agência Forrest, de conteúdo e influência digital, consultora e professora