Bastidores do 50 Best América Latina: muito lobby e Brasil fragmentado
Chefs e especialistas afirmam que premiação é dominada por “clubinho” e a gastronomia brasileira enfrenta barreiras internas e externas para crescer
Nesta terça-feira (26), o Rio de Janeiro recebeu novamente o Latin America’s 50 Best Restaurants, uma das mais importantes premiações gastronômicas do continente. Após o entusiasmo de 2023, quando a cidade foi sede do evento pela primeira vez, o setor gastronômico brasileiro – e do Rio de Janeiro após amplo investimento – começa a refletir sobre as divisões internas e os bastidores que definem os premiados.
O 50 Best enquanto prêmio é apresentado como uma chancela de reconhecimento aos melhores restaurantes da América Latina. Essa premiação tem como base os votos de chefs, jornalistas e gourmands convidados. Existe uma distribuição de jurados no continente e é natural que cada um puxe a sardinha para o seu próprio país. No entanto, a premiação vem sendo chamada de “clubinho”, em que alianças e lobbies têm grande influência nos resultados. O Peru, por exemplo, despontou como uma referência de sucesso. Restaurantes como Central e Maido lideraram consistentemente o ranking nos últimos anos, reflexo de uma estratégia nacional peruana que uniu jurados e chefs em prol da valorização da gastronomia da região. A narrativa “ceviche” surge para o planeta após uma edição do prêmio em Lima, há mais de dez anos. Jurados peruanos, provavelmente, priorizaram seus compatriotas, criando um ciclo virtuoso que posicionou o país no topo da gastronomia latino-americana.
No Brasil, a situação é bem diferente. A falta de coesão entre os polos gastronômicos, estimuladas pelas dimensões continentais do país, dificulta constantemente a projeção verde e amarela. Quem é de São Paulo, por exemplo, não vota em restaurantes do Rio de Janeiro, que, por sua vez, ignora Salvador e outras cidades. Essa ausência de unidade foi destacada por uma conceituada chef brasileira: “Todos querem esconder o jogo”, revelou ela, apontando a dificuldade de criar uma estratégia colaborativa no Brasil.
Outro desafio enfrentado pelos brasileiros é o idioma. O espanhol é predominante na América Latina, enquanto o português isola o Brasil no circuito gastronômico regional. Essa barreira linguística prejudica o trânsito espontâneo entre os chefs brasileiros e seus colegas hispanofalantes, limitando a troca de experiências e uma possível construção de alianças.
Essa separação ficou evidente durante o Chef’s Feast, evento oficial que antecede a premiação e aconteceu na segunda-feira (25) no Sel D´Ipanema. Relatos de inúmeros chefs apontam a formação de grupinhos: chefs paulistas em um lado, cariocas em outro, e os latinos de língua espanhola em suas próprias rodas. E para corroborar a narrativa rachada, ouvia-se com frequência: qual é a comida do Rio de Janeiro? Um lugar sensível que volta e meia caímos quando debatemos uma identidade gastronômica local. Mate Leão ou biscoito Globo? O fato é que não nos entendemos quando falamos da nossa comida. Salvador tem o seu acarajé e nuances repletas de africanidade, Minas Gerais tem sua comida afetiva e o Rio de Janeiro? Essa é uma pauta recorrente no debate gastronômico da capital fluminense. No último ano, esse colunista perguntou a muitos chefs: o que é comida carioca?
Em meio ao constante investimento da secretaria municipal de Turismo para trazer essas premiações gastronômicas para a cidade, desponta uma relações-públicas chamada Maria Vargas, que passa a desempenhar um papel fundamental na rota planetária do prêmio e se torna a maior porta voz do 50 Best no Rio. Ela passa a promover no país, através de jantares a quatro mãos, a ligação entre restaurantes e chefs de muitas regiões e ajuda a construir narrativas conectando diferentes atores. Apesar de seus esforços, as barreiras internas, como egos e rivalidades regionais, ainda representam um grande desafio.
O retorno do 50 Best ao Rio reafirma o potencial gastronômico do Brasil, mas também expõe suas fragilidades. O Rio de Janeiro desceu sua própria régua no quesito avaliação. Em 2023, tínhamos cinco endereços entre os cem melhores, esse ano consolidamos apenas quatro (Lasai em sétimo lugar, Oteque em vigésimo primeiro, Cipriani em septuagésimo sétimo e Oro, com suas duas estrelas Michelin, em nonagésimo primeiro). Nossa culinária é rica e diversa, mas a falta de integração nacional e as barreiras culturais dificultam nossa projeção no cenário latino-americano. Para que o Brasil consolide sua posição como líder gastronômico, será necessário superar divisões internas, alinhar interesses e investir em uma narrativa coletiva. Por enquanto, o país segue como uma potência fragmentada, com talento de sobra, mas sem a força necessária para transformar sua riqueza culinária em reconhecimento unânime no cenário internacional.