Mercearia Arouca: um segredo bem guardado do Cosme Velho
Antigo, discreto e pouquíssimo conhecido, o humilde botequim é um colírio para quem aprecia pequenos e simples prazeres de um Rio que não existe mais
“É ali, logo depois da curva que deságua na estação do Corcovado, à direita”, disse eu. O motorista do táxi torceu o nariz. “Dotô, trabalho no bairro há anos, nunca vi botequim nenhum por aqui…”
Suspirei.
Quase 15 anos se passaram, e a Mercearia Arouca, no Cosme Velho, continua desconhecida para muitos cariocas, até mesmo os que vivem e trabalham no bairro.
Suspirei mas não fiquei triste. Em pleno ano de pandemia e crise econômica – quando bares e restaurantes de renome fecham suas portas, impotentes diante do sumiço compreensível dos clientes e da falta (esta sim, incompreensível) de ajuda do poder público -, é uma dádiva e um alívio constatar que a humilde mercearia do Seu Edval e dona Marly continua firme, de sol a sol, sete dias por semana, servindo cerveja gelada e um PF inacreditavelmente bom. Além de gêneros de primeira necessidade e itens fundamentais para a sobrevivência de qualquer boêmio, que vão da cachaça ao bombril, passando por paçoca, vinho verde, salaminho, óleo de soja, prestobarba e salgadinhos Piraquê.
A Mercearia Arouca é daqueles deleites cariocas que quase não existem mais. Sobre o chão de azulejo vermelho que era marca registrada dos armazéns de secos e molhados do começo do século 20, um imenso balcão de madeira com tampo de metal escamoteia uma daquelas geladeiras de bar que já não se fazem mais, com portas de madeira e motor externo.
Quando lá estive a primeira vez, em 2007, a geladeira ainda funcionava, ruidosa. Hoje não mais. O que não elimina o prazer nostálgico de se visitar esse bar como se visita um museu, e até melhor. Suas melhores atrações não estão trancadas em caixas de vidro. Podem ser saboreadas, a qualquer dia da semana, pelas mãos da dona Marly, que cozinha maravilhosamente bem delícias como a carne assada com batatas coradas, a rabada com agrião, a galinha caipira, linguicinha artesanal trazida lá do interior do estado, e tantos outros pratos caseiros servidos todos os dias da semana, com impressionante talento e esmero, por singelos R$ 16.
Infelizmente, os clientes que já não eram muitos estão cada dia mais raros. Com a pandemia, os poucos funcionários do bar tiveram que ser dispensados, e tudo agora corre por conta exclusiva de Marly e seu Edval. Não está fácil. O aluguel não baixa, o horário de funcionamento é limitado pelas regras do prédio, letreiros e cartazes externos são proibidos. Talvez por essa razão o motorista do táxi – e muitos moradores do Cosme Velho e Laranjeiras – ignoram esse lugar quase mágico, com mesinhas ao ar livre escondidas por trás das plantas de um pequeno jardim de condomínio.
Melhor para os frequentadores assíduos – convictos apaixonados pela mercearia – que desfrutam desse lugar com rara excluividade, e quase como uma extensão de suas próprias casas. Um lugar onde se pode passar a tarde de papo pro ar e cerveja sobre a mesa, contando histórias do passado e evitando, pelo menos por alguns momentos, temerário futuro que nos aguarda a todos. Para o casal de donos, porém, um pouquinho mais de fama e reconhecimento não faria mal nenhum. Garantiria a sobrevivência do bar e seguiria honrando o que resta da tradição cada vez mais dissipada dos velhos botequins de bairro na Zona Sul do Rio de Janeiro.