Rua Santo Antônio
Rua em forma de parque, que não consta nos mapas, é resquício do Morro de Santo Antônio, pequeno mirante arborizado no Largo da Carioca, e corta-caminho para muitos dos pedestres… A Rua Santo Antônio corresponde a um dos acessos do estacionamento do BNDES e tem vista ajardinada para a Avenida Chile e o Largo da […]
Rua em forma de parque, que não consta nos mapas, é resquício do Morro de Santo Antônio, pequeno mirante arborizado no Largo da Carioca, e corta-caminho para muitos dos pedestres…
A Rua Santo Antônio corresponde a um dos acessos do estacionamento do BNDES e tem vista ajardinada para a Avenida Chile e o Largo da Carioca
O simbolismo da minha relação com a Rua Santo Antônio passa por despercebido, embora seja uma das primeiras ruas em que comecei a circular desde que mamãe-e-papai autorizaram-me a andar sozinho pela cidade – cidade entre aspas, havia restrições, é claro. Eu tinha uns onze para doze anos. Ia de metrô ou ônibus até o Largo da Carioca e cortava caminho pela Rua Santo Antônio para alcançar a Avenida Chile mais rapidamente, local de trabalho da senhora mamãe. Em geral, essas idas tão precoces ao Centro ou eram para almoçar com ela ou para ir a algum médico, coisas do gênero.
Para quem ainda não se localizou, a Rua Santo Antônio constitui aquela parte gradeada do Largo da Carioca, que tem uns jardins, um dos respiradouros do metrô, e vez ou outra, uma feirinha de artesanato e souvenires. A recomendação era “ter bastante cuidado por ali, passar batido” pois era uma zona recorrente de assaltos e de abordagem de pivetes. E realmente eles ficavam por ali, misturados às outras pessoas, esparramados pelos degraus do que parece ser um anfiteatro, com o Convento de Santo Antônio ao fundo. Certa vez fui vítima, no início da adolescência. Cercaram-me e começaram a “engraxar” o meu tênis sem que eu pedisse. Óbvio que eu não teria dinheiro. Era um tênis de lona, que não precisa de graxa. Pura malandragem. Após algumas ameaças verbais, fui salvo por transeuntes intrometidos. Pela primeira vez, consegui fazer uma relação entre intromissão e solidariedade.
O Convento de Santo Antônio, fechado para reformas, principalmente na fachada.
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Passados, pelo menos, uns dez anos, meu relacionamento com o Largo da Carioca é, agora, diário. Sou estagiário, já quase um trabalhador integral. A Rua Santo Antônio, que nem aparece no Google Maps, apesar de constar em placas-pirulito, continua na minha rotina. A sensação de insegurança diminuiu consideravelmente pelo parque da Rua Santo Antônio, fruto desse termo já na moda (e clichezado) chamado de a “fase-bacana-em-que-o-Rio-se-encontra”. Isso facilitou uma maior exploração do local, sem grandes preocupações, coisa pouco possível em 2003, por exemplo. Uma prova é que eu consegui andar com uma máquina fotográfica na mão pelas redondezas sem ser importunado por olhares duvidosos. Soltem os fogos, comemoremos!
Resolvi escrever sobre esse trecho do Centro a partir do momento em que, justamente pela redução da sensação de insegurança, que me gera menos fobia, achei um pequeno recanto simpático na parte mais alta da rua-parque, logo na saída do pátio do BNDES. Parece uma pequena praça, bem ajardinada, e com uns dois ou três bancos de cimento. Envolvido por uma série de árvores variadas e coloridas pela primavera, tem-se uma bela vista do Largo da Carioca, do caos da Avenida Chile, e ainda um Theatro Municipal conservadíssimo, todo reluzente. Visão parcial, diga-se de passagem, mas não menos honrosa. Quanto às árvores, o que aconteceu com os abricós-de-macaco esse ano? Poucos floresceram.
A bandeira do Brasil, na parte alta da Rua Santo Antônio, vem acompanhada outras duas: uma do Estado do Rio de Janeiro e a outra do BNDES, a mantenedora do local.
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Nesse dia estava sem pressa e sentei ali. Estava com o ipod em mode on (meu companheiro), ventava gostoso, mandando embora qualquer anúncio de calor, e tinha também aquela paisagem curiosa, nunca observada antes por tal perspectiva. Fiquei à toa, olhando, sem muitas cobranças, desfrutando o momento e o lugar, aparentemente sem muitas razões para que fosse admirado. É, não vou ser pretensioso e dizer, “oh, que lugarzinho bacana, ótimo para refletir sobre a vida”. Não, não combina comigo. Mas para os observadores de plantão da cena urbana, é um lugar de razoável à interessante para se alimentar tal hobby. Sem falar que, com a proximidade do aeroporto Santos Dumont, muitos aviões passam ali de minuto em minuto. É divertido olhá-los de perto, quase a ponto de aterrissar.
E só depois que fui notar a bandeira do nosso país hasteada bem ali, o tecido num movimento de enruga-e-desenruga de acordo com a velocidade do vento. Uma das minhas indagações pessoais quanto ao espaço urbano era a falta de bandeiras nacionais nas nossas praças. Acho que é um detalhe bastante especial, quase obrigatório, e a gente só as vê em excesso por aí a cada quatro anos, quando acontece a Copa do Mundo. Parece que nesse intervalo elas ficam menos realçadas. Eu ignorava muitas delas, embora, agora, nessa “fase-de-transformações-que-o-Rio-tá-passando”, nessa maior liberdade de se aproveitar a cidade, tenho reparado que elas sempre existiram. Isso acontece só comigo ou com você também?
O odioso respiradouro do metrô: monumento? |
As partes alta e baixa da Rua Santo Antônio são conectadas por dois lances de escada, um em pedra, com degraus um pouco desnivelados, e outro acimentado, perfeito para o movimento das nossas articulações inferiores. Poderíamos dizer que a escada é, hoje, um dos símbolos de que ali havia um morro, o de Santo Antônio, um dos últimos demolidos no Centro. E a diferença de ares é bastante notável entre essas duas áreas.
Lá embaixo, já no encontro com o Largo da Carioca, e longe da atenção dos guardas do estacionamento do BNDES, deixa um pouco desejar no que se diz respeito à limpeza. Copos plásticos, folhas de jornais soltas, guardanapos… E como citei, um dos respiradouros do metrô ocupa o eixo central da praça como se fosse um grande monumento. Houve até uma (frustrada) tentativa de poetizá-lo ao rodeá-lo por um gramado com flores de cor roxa. Uma obra de arte moderna, talvez? Não, é de mau gosto mesmo, como muitas das obras do metrô, retroativas ou contemporâneas.
Essa parte de baixo é embalada por sons de diferentes tipos. No Largo da Carioca sempre tá acontecendo qualquer tipo de manifestação. Tem aqueles alto-falantes no último volume com religiosos fanáticos declamando trechos da bíblia misturados ao som de alguma estação de rádio também em último volume – pagode é um estilo musical comum por lá. Até pouco tempo figurava na entrada da Rua Santo Antônio o eterno sósia do Roberto Carlos – seu nome me foge à cabeça agora –, que contribuía à beça para a selva de sons do Largo da Carioca.
Em meio a isso, gringos passam por ali entre as barracas da feirinha, com suas Nikons pelo pescoço, já lotada de fotos da Catedral e do Convento. Os funcionários do BNDES e da Petrobras se aglomeram junto aos outros trabalhadores da região na volta para casa, enquanto mendigos inofensivos circulam à procura de pão e água, sem largar o inseparável pedaço de papelão. A fila dos ônibus cresce, casquinhas de baunilha no Bob’s são vendidas e camelôs fogem do “rapa”. E assim continua a vida no agitado Largo da Carioca.
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