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As Ruas do Rio

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Os guardiões da Rua Filgueiras Lima

por Pedro Paulo Bastos Saltei de um veículo da linha 455 na Rua Vinte e Quatro de Maio e entrei à esquerda na Rua Filgueiras Lima. Ali se chama Riachuelo, simpático bairro margeado pela linha férrea. Há tempos namorava as ruas da região através dos mapas, ansioso por uma oportunidade de chegar no local e fazer minhas […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 19h20 - Publicado em 29 ago 2012, 01h22
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por Pedro Paulo Bastos

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Saltei de um veículo da linha 455 na Rua Vinte e Quatro de Maio e entrei à esquerda na Rua Filgueiras Lima. Ali se chama Riachuelo, simpático bairro margeado pela linha férrea. Há tempos namorava as ruas da região através dos mapas, ansioso por uma oportunidade de chegar no local e fazer minhas próprias fotografias. Não é tão comum de se deparar em sites e livros com fotos desse início – ou fim, dependendo da perspectiva – do subúrbio do Rio. Além disso, até pouco tempo atrás, a situação andava complicada por lá. Quem não se lembra do ataque ao helicóptero da Polícia Militar em 2009, em um daqueles terríveis episódios violentos que a cidade vivenciava semanalmente? O episódio ocorreu nas proximidades. Passado.

Antes de sacar a máquina da mochila, houve, primeiramente, um reconhecimento do território. Faço isso em todas as ruas que visito, seja na zona norte ou na zona sul. Trabalho por conta própria, não tenho seguro de equipamentos, sou eu por mim mesmo. Acredito sim que o Rio esteja mais seguro, mas… todo cuidado continua sendo pouco. A Rua Filgueiras Lima tem toda uma atmosfera familiar, que inspira confiança, muito embora as calçadas estivessem vazias. Todos recolhidos. Ventos vindo de leste e oeste que, quando se chocavam, faziam girar as folhas e os pequenos dejetos do chão. O céu levemente negro, como que anunciando chuva para mais tarde. E lá no topo da rua, que é incrustada na montanha de diversas tonalidades de verde, uma igreja recém-pintada em amarelo-ovo, com detalhes cor-de-abóbora envelhecida. Num sentido literário, diante do que aconteceu posteriormente, ela seria o castelo mal assombrado. O Morro dos Macacos, local de lobisomens, e a Filgueiras Lima resplandecendo como o bosque meio pantanoso e lúgubre.

Em muitas das árvores da rua, que crescem de dentro das residências, brotam flores e mais flores de cor magenta, bem forte. Na subida vão surgindo travessas, sem qualquer tipo de sinalização. Os postes com placas de nomes de ruas parecem se concentrar apenas em determinados cruzamentos de alguns poucos bairros. O asfalto exibe resquícios de tintas coloridas, que serviram para ilustrar algum boneco ou mascote de Copas do Mundo passadas. As medidas de segurança dos imóveis variam entre grades, muros ou arames farpados moldados em círculos seguidos. Ao mesmo tempo que me aproximo da paróquia Irmandade de Santo Antônio, avistá-la fica cada vez mais complicado, em meio aos cabos de energia e as folhas das árvores.

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Era ali onde eu queria chegar. Sentia-me tão atraído pelo templo – tão poético, no final de uma rua sem saída, colado na mata – que fiquei a contemplar o panorama, já a uns quatro metros do seu portãozinho fechado. A certeza de que eu iria fotografar a Rua Filgueiras Lima de ponta a ponta era dada como certa. Comecei a me preparar, então, para tirar a câmera da mochila. Já imaginava como iria enquadrar a paróquia em diferentes ângulos. Dei-me conta que ela era realmente bem no alto, sustentada por uma escadaria de cimento que, por um certo instante, me pareceu muito longa e estreita. Não deu nem tempo de remover a proteção da lente quando os latidos ecoaram. Uns seis cães de porte médio, vira-latas, surgiram de trás da igreja, no corre-corre, saltando os degraus em direção à rua. Ô-ou…

Aparentemente o portãozinho os deteria. Sim, certamente os deteve, apesar da fúria diante daquele intruso, que só queria dar uns cliques no recanto que, ao fim e ao cabo, mostrou-se ser de propriedade canina. Porém, os cãezinhos tinham outros amiguinhos, que surgiram das residências vizinhas, ao meu oeste. Um deles conseguiu sair dos seus limites e veio gritar comigo, a poucos centímetros de mim, como se me enfrentasse: “Qual foi, que que tu tá fazendo aqui, mané?? Rala fora!!”. Ô-ou mais uma vez. Os latidos ficaram cada vez mais intensos e fui saindo de fininho, usando a mochila como proteção às pernas parcialmente cobertas pela bermuda. Um desespero foi contaminando a minha alma. Da mesma forma que os bebês me adoram, os cães me detestam, eu sei disso. Ao ver que outros saíram de suas tocas e latiam igualmente nervosos ao primeiríssimo, e ao perceber que este, também, já não se movia enquanto eu me afastava, apertei os passos e fui embora, em direção à felicidade – o ponto de ônibus -, a duas quadras dali.

A chance da Rua Filgueiras Lima entrar para o catálogo de fotos do As Ruas do Rio foi para o beleléu. Ao bairro do Riachuelo eu volto, mas não a essa rua. Não com todos esses guardiões…

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