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André Heller-Lopes

Por André Heller-Lopes, diretor de ópera Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
A volta do Dito Erudito

Rio de Janeiro, a astuta Capital Mundial Livro

O diretor 'flana' pelos acontecimentos artísticos da última semana, recheados da mágica dos livros

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Atualizado em 17 abr 2025, 15h42 - Publicado em 16 abr 2025, 17h58
fotografia de Jason Daniel Shaw no livro Rio, de Bruno Astuto
fotografia de Jason Daniel Shaw no livro Rio, de Bruno Astuto (Jason Daniel Shaw/Divulgação)
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Na semana que passou o Rio deixou de ser ‘apenas’ a Cidade Maravilhosa, e voltou a ser a Capital: só não a do Brasil e sim a Capital Mundial do Livro de 2025 — e a celebração dos livros começou, por assim dizer e para mim, com uma muito elegante noite e autógrafos no Hotel Fasano. No meio desse tornado de palavras e idéias, eu ensaio a opereta A Viúva Alegre no Theatro Municipal, que volta aquele palco depois de uma década de ausência, só que pela primeira vez cantada na versão brasileira imaginada em 1908 pelo grande escritor Arthur Azevedo.

O lançamento do livro ‘Rio’, do jornalista Bruno Astuto, não poderia ter sido mais oportuno: foi como a ouverture de uma grande ópera cujo tema principal bem poderia ser o triunfo da nossa cidade. Um livro monumental, inteiramente dedicado a celebrar o Rio. Poucas festas hoje em dia serão tão capazes de fazer uma viagem no tempo e lembrou quando éramos a ‘Bela Capital’: foi elegante até não poder mais, e a capa amarela do livro bem poderia ser dourada como os anos mais queridos da nostalgia carioca. Num passe de mágica (e de quase centenas de fotos), ‘Rio’ nos faz perceber que não precisamos ter tanta saudade de um passado posto que a cidade do Rio de Janeiro dos tempos recentes hoje tem muitas outras cores mais cores além do dourado.

Se o livro ‘Rio’ fosse um livreto de ópera, então o “Deus ex-machina” do desfecho dessa trama (aquela figura alada e divina que chega para garantir um final feliz) seria o outro grande evento que aconteceu na sexta-feira seguinte ao seu lançamento. O Real Gabinete Português de Leitura abriu suas portas mágicas para o lançamento do selo a Secretaria Municipal de Cultural comemorava que o Rio de Janeiro é oficialmente a Capital Mundial do Livro de 2025. Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste — os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) — presentearam a Cidade do Rio de Janeiro com uma Caixa Literária onde obras, tanto clássicas como contemporâneas da literatura em língua portuguesa, estão contidas. Junto da palavra impressa, estava a palavra falada dos discursos oficiais e ainda a poesia cantada: o som das Canções Brasileiras inundou o Real Gabinete em música que as poesias de Machado de Assis, Almeida Garret, Manuel Bandeira ou Vinicius de Moraes inspiraram a Villa-Lobos, Carlos Gomes, Francisco Braga, Jayme Ovalle, Lorenzo Fernandez ou Claudio Santoro (e junto delas, algumas das lendas amazônicas do Paraense Waldemar Henrique). Não foi só a boa literatura que voltou aquela vizinhança onde no passado a cidade fervilhava de cultura e tipografias, embalada pelas vozes de sopranos e barítonos.

Vejam vocês, leitores, a coincidência ‘geográfica’: o Real Gabinete fica justamente nos fundos do teatro que hoje conhecemos pelo nome do grande ator do século XIX: o João Caetano. Hoje em dia as vozes de sopranos e barítonos raramente ecoam pela Praça Tiradentes, e as vedetes não descem mais escadas em espetaculares produções do teatro de revistas. Nos 1800, quando o seu entorno era conhecido como Largo do Rossio, alí ficava o mais importante teatro de ópera da cidade. Suas noites eram povoadas tanto por divas quanto por escritores, pintores, poetas e nobres; uma vida discutida diariamente nos jornais da côrte. Ninguém mais ‘flana’ — para usar um tempo da época — perto do prédio que nos sobrou hoje: um teatro João Caetano que é ele mesmo a pálida sombra do seu projeto original em estilo Art Deco (1930). Apesar de tudo, aquele lugar e muito do seu casario entorno ainda certamente guardam em sua história a energia do esplendor e glórias dos teatros que ali existiram desde 1813. E foram vários, e que renasciam das cinzas de incêndios e de mudanças políticas, um após o outro. Diz a lenda, foi construído com tijolos que estavam prometidos a construção de uma igreja e, por isso, o edifício carregava uma espécie de maldição que, volta e meia, o fazia arder em chamas. Os nomes de Real Theatro São João ou de Theatro São Pedro de Alcântara são apenas dois dos que o prédio ostentou ao longo do século XIX. em chamas. Infelizmente, não foi o fogo e sim uma hoje ultrapassada idéia de modernidade que acabou por finalmente destruir o teatro em 1928 — mas isso é outra história: o que importa é pensar no futuro daquele lugar e de todo centro da cidade, tão cheio de possibilidade de renascimento.

O Rio começou de forma bem ‘astuta’ sua temporada como Capital Mundial do Livro, com chave e sons de ouro. Espero que nossa A Viúva Alegre que estréia na quinta-feira, dia 17, no Theatro Municipal (e com espetáculos também dias 19, 22, 24, 25, 26 e 27 de abril), um grande espe’taculo com coro e orquestra do TMRJ, tornado possível graças ao patrocínio da Petrobras, possa reunir a música de Franz Lehár, com o Rio de Janeiro de Carmen Miranda e seus filmes, com a memória dos geniais Zé Trindade e Dercy Gonçalves e do Cassino da Urca, e, especialmente, com o humor do autor da versão brasileira das partes cantadas, o grande escritor Arthur Azevedo, nascido há 170 anos — sem o qual não teríamos hoje o nosso grande Theatro Municipal do Rio de Janeiro. (Obrigado, Arthur!)

André Heller-Lopes,
Encenador e especialista em óperas, duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio,
é Professor da Escola de Música da UFRJ.

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