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Por André Heller-Lopes, diretor de ópera
A volta do Dito Erudito
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O enredo de ópera da entrevista do casal “Sussex” para a TV

Uma análise do bate-papo mais polêmico da semana (ou da década) à luz dos reis e rainhas na ópera

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 mar 2021, 16h07 - Publicado em 13 mar 2021, 12h13

Apesar da grande profusão de Rainhas e Reis, Príncipes, Duquesas e  afins no mundo da ópera, achei que conseguiria escapar ao assunto da semana. Mas o fato é que a fatídica entrevista que “os Sussex” — adoro a dramaticidade desta alcunha — deram para a TV é, por si só, um enredo de ópera: melodrama, poder, mulheres fatais, mocinhos e vilões. Se formos pensar no papel que a aristocracia e as casas reais desempenharam na história da dança e da música de concerto, aí mesmo que seria inevitável. Eu tentei.

A monarquia britânica está muito bem representada na ópera. Carlos Gomes tem uma “Maria Tudor“, inspirada no mesmo texto de Victor Hugo que já havia servido ao hoje menos conhecido Pacini. Rossini tem sua “Elisabetta, Regina d’Inghilterra” onde várias melodias do famoso “O Barbeiro de Sevilha” aparecem. O italiano Donizetti tem uma famosa “trilogia Tudor”, que fala de Anne Boleyn, Mary Stuart e dos amores da filha da primeira e prima da segunda, a Rainha Elisabeth — a Primeira, e não esta admirável nossa contemporânea, a Segunda. “HRH” – a sigla para Her Royal Highness – atravessa o século XX (e já boa parte do XXI) com uma dignidade pouco comum entre os que respiram nesta Terra; seu carisma e elegância parecem reinventar-se, no cinema, no teatro e na televisão. Por tudo isso, perto dos 100 anos ela merecia que o libreto da ópera em que vive fosse mais bem escrito. Não parece haver um bardo de qualidade, como foi o caso de sua homônima antecessora.

Como escreveu certa vez o sempre inspirado Veríssimo, os tempos atuais podem ser “elisabetanos, porém não são nada Shakespeareanos”. Nunca esqueci essa sua crônica – e apareceu há umas boas décadas; ou seja, os problemas de enredo não vêm de hoje. Verdade seja dita, o Macbeth de Verdi ou o Lear de Reimann, ambos extraídos de Shakespeare e lidando com conflitos de poder da casa real da ilha, não são exemplos de governantes de indiscutível caráter e bondade. Na melhor das hipóteses temos Falstaff e as alegres comadres de Windsor para equilibrar o cenário. Felizmente, até o presente momento, os assassinatos cometidos pelo tirano escocês e sua Lady M. permanecem na ficção. Já as rivalidades entre as filhas do Rei Lear e suas tramas e ardis para tomar o poder, parecem assustadoramente mais próximas da política de nosso tempo. O nome próprio da “Scottish play” é, aliás, uma espécie de tabu no mundo do teatro e da ópera: se proferido dentro de um teatro britânico é sinal de fracasso ou mesmo tragédias. Quem por acidente fala o título da “peça escocesa”, deve sair e dar 3 voltas ao redor do teatro. É sério, já aconteceu comigo; o diretor me fez sair e disse que eu deveria cumprir o ritual. Munido do meu ‘espírito-Carmen-Miranda‘, saí… tomei um café com muffin, voltei e disse que tinha dado as tais três voltas; todos os envolvidos passam bem. A superstição britânica é similar a usar roxo, violeta ou falar o nome da ópera “La Forza del Destino” na Itália (prevejo que com a coleção de vezes que já escrevi todos eles acima, sou o alvo perfeito para um meteoro). Traduzindo: é como dizem ser importante evitar usar a cor marrom perto do Roberto Carlos.

Voltando à entrevista dos Sussexs, a novela promete. Inicialmente, achei que tudo parecia uma má interpretação e um roteiro adaptado da história de Lady Di. Ao assistir o programa todo, tive dúvidas. Ponto para eles. Provavelmente tão cedo (ou jamais) saberemos com quem está a verdade: a ameaça velada de que poderia ser revelado o nome do infeliz suposto autor de um absurdo comentário racista, está suspensa sobre a cabeça de vários Windsor. Isso não terminará sem uma negociação que deixe todas as partes, se não felizes, ao menos apaziguadas (e ricas). Todos ali conhecem a história das várias esposas de um parente chamado Henry VIII. Resta saber  se o futuro lhes reservará boas óperas.

 


Falando em passado, memória e futuro, não há como terminar essa coluna sem lamentar a perda do veterano Lauro Gomes. Radialista, apaixonado pela ópera e pela memória dos cantores brasileiros, é graças a ele que temos hoje preciosos depoimentos de grandes artistas brasileiros, geralmente esquecidos num mundo que parece querer negar o espaço à ópera de ser, também, brasileira. Só resta demandar, exigir, vigiar, que o desaparecimento de Lauro Gomes não leve ao desaparecimento de todo um precioso acervo da Rádio MEC – e da própria Rádio! Essa memória é parte do que a cultura no Rio de Janeiro foi, é e sempre será.

 

André Heller-Lopes,
Encenador e especialista em óperas, duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio, é Professor da Escola de Música da UFRJ.

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