Vinagre de maçã: serie levanta debate sobre comportamentos contemporâneos
Série escancara o uso danoso das redes sociais a partir de uma pessoa com transtorno de personalidade
Servida ao espectador como ótimo entretenimento, com direção esperta e boas atuações, “Vinagre de maçã”, da Netflix, traz temas importantes e provoca ótimas discussões. A série conta a história interligada de três mulheres: Milla tem um câncer no braço; Belle finge ter um câncer no cérebro e Lucy tem um câncer de mama. O mais impressionante é que a série se baseia em fatos reais, acontecidos na Austrália.
Milla rejeita os tratamentos médicos tradicionais e busca a cura na alimentação natural e no estilo de vida saudável. Ela acaba se tornando uma influencer de self healing, com mensagens positivas e edificantes. Com inveja do sucesso alcançado por Milla, Belle simula ter um câncer no cérebro. Engenhosa, ela cria uma verdadeira indústria midiática ao seu redor em torno da mentira. Lucy se deixa influenciar por ela e também abandona a medicina tradicional em busca da cura pelo autoconhecimento no Peru.
A primeira coisa que chama atenção na série é o comportamento de questionar a eficácia da medicina tradicional. É possível, e até compreensível, que um paciente tenha certas dúvidas ou ponderações, mas posicionar-se contra uma junta médica que defende a quimioterapia, a radioterapia ou a amputação de um membro diante de sua necessidade, como faz Milla, munida de argumentos frágeis para questionar um tratamento oncológico é bastante impressionante. Supreendentemente, este é um discurso que ainda encontra espaço entre certos meios. É ainda mais chocante que uma pessoa como essa acabe se tornando uma influencer de projeção, capaz de influenciar de verdade pessoas que também estão em situação de vulnerabilidade por conta da doença.
Outro ponto que chama atenção é a capacidade que pessoas assim tem de capitalizar atenção a seu favor, tendo algum carisma, um bom aplicativo, uma boa página nas redes sociais e uma estratégia de marketing, que atenda aos algoritmos. É essa máquina de trazer atenção para si, de ganhar fama e dinheiro, mesmo a custa de uma leviandade, que desperta o interesse de Belle e a faz mentir sobre o tumor cerebral.
É interessante notar como a série escancara o modus operandi de uma pessoa com determinados transtornos de personalidade. Mitômana desde criança, pouco empática, como são os psicopatas, Belle manipula os que estão ao seu lado. Necessita ser admirada e joga com a vitimização quando é pega na mentira ou para evitar situações desconfortáveis que a prejudiquem. As promessas de que ela doaria os lucros do aplicativo e de seu livro de receitas nunca foram cumpridas e as instituições que seriam beneficiadas com o dinheiro nunca receberam qualquer quantia.
A terceira ponta desse triângulo, Lucy parte para sua jornada de cura na Amazônia onde se junta a uma comunidade local, participa de cerimônias, no que se assemelha muito ao Daime, embora não seja nomeada em momento algum. Lucy passa por uma experiência psicodélica, onde acredita ter vivido uma ampliação de percepção.
O jogo de Belle vai fugindo ao seu controle à medida em que o marido de Lucy, o jornalista Justin, começa a coletar provas das muitas mentiras de Belle. É assustador (e angustiante) acompanhar como uma pessoa com elementos narcísicos e antissociais reage ao ser desmascarada de suas mentiras, inventando novas mentiras para tentar se safar – quando na verdade acaba de comprometendo ainda mais.
Ao final da série, já bem debilitada, Milla desiste da vida alternativa e busca ajuda na medicina tradicional, mas é tarde demais: a doença já está em metástase, não há nada mais que os médicos possam fazer por ela. “Vinagre de maçã” ilustra de forma clara e atraente as possíveis armadilhas de alguns influenciadores de ocasião, as óbvias vantagens de tratamentos terapêuticos comprovados pela ciência e o perigo eminente de uma pessoa com a saúde mental comprometida, sem tratamento e acompanhamento de um profissional.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp (CRM 5249669-2 e RQE 21502); professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.
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