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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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União homoafetiva: por que rever o casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Casamento entre pessoas do mesmo sexo domina a pauta brasileira, como se o país não tivesse nada mais urgente ou grave para se ocupar

Por Analice Gigliotti
17 out 2023, 10h28

Na semana em que o mundo assiste a uma nova guerra, desta vez entre Israel e a Palestina – antes mesmo que os líderes mundiais tivessem a habilidade de colocar um ponto final na guerra da Rússia contra a Ucrânia –, os brasileiros se veem confrontados com uma questão que beira o inacreditável: deputados federais desperdiçando tempo e dinheiro público debatendo sobre a validade da união homoafetivo em uma Comissão na Câmara.

Seria apenas patético se não fosse trágico. Vidas sendo ceifadas às centenas do outro lado do mundo e, do lado de cá, políticos questionando… o amor. Um tema que, a bem da verdade, só interessa aos envolvidos, não trazendo qualquer implicação prática a heterossexuais. A discussão é, por si só inconstitucional, tendo em vista que desde 2011 o Supremo Tribunal Federal reconhece a legalidade da união entre pessoas do mesmo sexo.

O placar a favor da extinção da união homoafetiva chocou: 12 votos a favor (e cinco contra). Uma rápida passada de olho na lista e fica nítido o viéis religioso e extremista dos responsáveis pelos votos favoráveis. São políticos que fizeram carreira no crescimento das igrejas neopentecostais das últimas décadas (estas, diferente dos homossexuais, são isentas de impostos – por que será?) e do discurso de ódio baseado em desqualificar tudo que lhe é indiferente. Pensam que democracia não é direito igual para todos, mas direito igual para quem comunga de suas crenças.

O que os deputados parecem desconhecer é o tamanho do público LGBTQIA+ hoje, no Brasil e no mundo. Em pesquisa do IBGE, 2,9 milhões de pessoas se declararam gays no país em 2019. A mesma pesquisa constatou que homossexuais e bissexuais são a fatia populacional com mais estudo e, consequentemente, mais renda. Desde 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou que cartórios realizassem casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Desde então, o número de uniões homoafetivas praticamente quadruplicou, pulando de 3.700 para quase 13 mil casamentos em 2022.

O casal sensação da atual novela das oito, “Terra e Paixão”, assistida por mais de 30 milhões de pessoas todas as noites, não é formado por Cauã Reymond ou Gloria Pires. Quem tem mobilizado fãs e as rede sociais, é o par formado pelos personagens Kelvin e Ramiro. Nossos representantes precisam se atualizar sobre o que vai na mente do brasileiro fora das salas encarpetadas, protegidas e desconectadas da realidade que parecem dominar Brasília.

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Não existe a garantia absoluta da conquista de direitos, ela sempre pode ser temporária, haja vista a revisão por parte da Corte Suprema dos Estados Unidos que, em 2022 suspendeu o direito ao aborto e, em junho deste ano, probiu programas de cotas em universidades. Mas qualquer reversão na conquista da união homoafetiva no Brasil é uma afronta aos Direitos Humanos.

Nesta mesma semana, a influencer e ativista de direita Karol Eller foi encontrada morta, em São Paulo. Sua morte foi registrada como suicídio pela Polícia Civil. Eller, que se declarava lésbica, anunciou no mês passado que “havia renunciado” a sua sexualidade. Ela atribuiu a decisão à chamada “cura gay”, defendido por religiosos, que se atribuem a capacidade de curar o que não é doença. Será que Ellen ainda não estaria viva e feliz se tivesse tipo a oportunidade de viver sua sexualidade com plena liberdade, ao contrário do que defendem os deputados?

O Brasil é um país continental, complexo, marcado por uma história trágica e que nos impõe chagas sociais ainda longe de serem sanadas. Aos políticos, que representam o povo e tem o poder nas mãos, espera-se empenho para amainar nossas muitas carências. O retrocesso civilizatório de caçar o direito da união homoafetiva, seguramente, não é uma delas.  

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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