“Só bebo socialmente” e outros mitos sobre o consumo de bebida alcóolica
Pandemia aumentou o consumo de álcool e as consequências começam a aparecer
Este mês de março completam-se dois anos que a pandemia de Covid-19 mudou o mundo para sempre. São muitas as heranças físicas e comportamentais da doença na sociedade. Foi preciso aprender a se distanciar de entes queridos, a trabalhar e estudar de casa, a adotar novos padrões de higiene.
Agora, com três doses da vacina aplicadas no braço da maioria da população brasileira, é possível vislumbrar a retomada de hábitos que haviam sido temporariamente abandonados, como encontrar amigos, frequentar academias, shows, cinemas e teatros. No entanto, outros comportamentos pouco saudáveis parecem ter chegado com força. O mais danoso à saúde, talvez, seja a liberdade com que as pessoas passaram a consumir bebidas alcóolicas, especialmente em casa.
Quem estava abstêmio, voltou a beber. Quem já bebia, permitiu-se um salvo conduto para beber mais. Resultado: as vendas durante a pandemia cresceram, segundo os próprios fabricantes, e os efeitos colaterais começam a aparecer. De acordo com pesquisa realizada, em 2021, pelo Instituto Brasileiro do Fígado, 55% dos brasileiros com mais de 18 anos consomem bebidas alcóolicas e 32% afirmam consumi-las semanalmente.
Listo abaixo alguns padrões de comportamento que assistimos e ouvimos com frequência e que, na verdade, são mitos.
1) “Beber socialmente não oferece risco à saúde”. MITO. É bastante usual uma pessoa acreditar que faz uso moderado de bebida alcóolica, quando na verdade está abusando do consumo. Tudo depende da intensidade da vida social do indivíduo. É claro que existe consumo de álcool de baixo risco porém, cada vez mais, pesquisas científicas concluem que não há dose de álcool sem algum percentual de risco intrínseco, portanto o ideal é evitar beber.
2) “Só adoece por causa de bebida alcóolica quem consome quantidades que levam à embriaguez frequente”. MITO. Não é preciso chegar ao ponto de estar bêbado para sentir o impacto dos malefícios do álcool. Quanto mais frequente o consumo de bebidas, maiores são as chances de se desenvolver lesões hepáticas, doenças cardíacas, gastrointestinais, cânceres e transtornos mentais.
3) “Todo mundo tem a mesma tolerância para o consumo de álcool”. MITO. Fatores como gênero, predisposição genética e doenças associadas influem no grau de dano que a bebida alcóolica causa de pessoa para pessoa. Justamente por isso, não é possivel cravar uma dose de bebida relativamente segura para todas as pessoas. Apesar disso, a Organização Mundial de Saúde, aponta um parâmetro: de 10 gramas de etanol por dia (o equivalente a duas doses de bebida alcóolica, ou seja 500 ml de cerveja ou uma taça de vinho por dia).
4) “Beber um pouco todo dia não faz mal”. MITO. Há um fator que precisa ser considerado quando o assunto é consumo de álcool: o efeito cumulativo danoso da bebida. Se o consumo é frequente, os órgãos, como o fígado e o estômago, não tem tempo hábil para se recuperarem das agressões causadas pelo álcool.
5) “Tomar uma taça de vinho ou copo de uísque quando chego em casa tem efeito relaxante”. MITO. Essa é uma falsa impressão recorrente. O álcool é um aparente redutor do estresse, só que na verdade ele é um péssimo ansiolítico. Ele estimula o centro de recompensa cerebral, liberando a dopamina e, com isso, atingindo uma sensação de prazer. Mas no uso continuado do álcool, esse processo se inverte e o resultado é um aumento da sensação de estresse e da ansiedade.
6) “Se eu não fico bêbado ou não tenho ressaca, é sinal que eu não bebi muito”. MITO. Apesar de a tolerância para a bebida alcóolica diminuir à medida em que se envelhece, não é preciso passar mal ou ter ressaca para ter se excedido na quantidade de álcool ingerido. Além disso, alguns indivíduos, como os que já desenvolveram trnastorno por uso de álcool, tem maior tolerância à substância, não ficando embriagado – ainda que bebendo em demasia.
A boa notícia é que sempre é tempo de mudar hábitos ruins. Então, não se engane e… mãos à obra!
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.