Selton Mello e Paula Lavigne: as dores e as delícias de parar de fumar
Ator e empresária compartilham nas redes sociais os percalços e as compensações de se eliminar o mau hábito do cigarro
Só quem já tentou abandonar um vício, seja ele qual for, sabe a dificuldade que é. As dependências exercem um enorme poder sobre as pessoas porque, essencialmente, trata-se de um fenômeno mental, que demanda um processo de esforço significativo para ser tratado.
De todas as dependências, talvez a que mais testemunhamos as pessoas tentando se livrar é o cigarro. Há algumas explicações para isso. Está mais que provado, cientificamente, o quanto o tabagismo é nocivo para a saúde. A própria indústria que fabrica o cigarro não nega este fato. Apesar da resistência inicial, os players da área se viram obrigados a estamparem na própria embalagem do seu produto o quão danosos eles são.
Um segundo ponto considerável é que de todas as dependências, o cigarro – ao lado do álcool – está entre os mais aceitos socialmente (embora já tenha vivido “dias melhores”, e muita gente já lhe torça a cara). No entanto, ainda assim, uma pessoa pode acender um cigarro na rua ou em um parque sem causar comoção social – resposta diferente teria, com certeza, um usuário de cocaína, por exemplo.
As redes sociais, tão questionáveis sob diversos aspectos – do estímulo ao narcisismo, da frivilidade e da vida “editada” –, de vez em quando, também conseguem alcançar o patamar de utilidade pública. Neste momento, é possível acompanhar duas pessoas respeitáveis em suas áreas – o ator Selton Mello e a empresária Paula Lavigne – compartilhando os percalços e as compensações de quem tenta se livrar do tabaco e da nicotina.
Abaixo, transcrevo o post público que o ator postou nas redes sociais:
“Um ano que deixei de fumar. 365 dias sem cigarro. Foram 25 anos fumando. Fumando muito. Não troquei por vape. Não usei adesivo. Eu decidi que aquela relação tóxica tinha chegado ao fim. Se você tem vontader, eu afirmo: é possível. O inicio foi bem difícil, mas não impossível. Sabe o que mais me ajudou? A percepção de que aquilo fede muito! Quando via alguém fumando, eu me aproximava para testar se teria vontade e o que eu sentia era repulsa e isso me ajudou muito mesmo! Se isso vai te chocar e te ajudar a pensar, saiba: se você é fumante, você cheira mal. Simples e duro assim. Desculpe a sinceridade, mas talvez te ajude a pensar. Não adianta perfume e chiclete, você está impregnado. Fôlego renovado, taxas melhores, saúde melhor. Mas meu maior aliado pra parar foi, de fato, o cheiro. A fedentina me ajudou na missão de largar. Doido, né? Foram 25 anos de um casamento fedido. Ah! Fedido e feliz! Sim, porque é prazeroso… Café e cigarro… Drinque e cigarro. O desgraçado é tão sorrateiro fedidinho do mal, que não me espantaria se voltasse a fumar amanhã. Entendeu? Máximo respeito. Não digo que sou ex-fumante. Estou sem fumar há um ano. E me sinto bem melhor. Tomara que eu influencie alguém com esse depoimento. Acredite: é possível.”
O post do ator não poderia ser mais direto, claro e útil em sua riqueza de informação e mensagens. Vamos a elas: Selton comenta que não trocou o cigarro por vape. Este é um engano que muita gente comete, acreditar que vape é mais saudável que cigarro. Este discurso foi plantado pela indústria fabricante de vapes, mas não pode haver engano maior. Vapes fazem mais mal que cigarro: eles são veículo para a disseminação de mais de duas mil substâncias, de acordo com estudo da prestigiada Johns Hopkins University. Segundo dados do InCor, o uso de cigarro eletrônico aumenta em 42% a chance de infarto e em 50% a probabilidade de asma, complicações cardiovasculares e pulmonares.
Em seguida, o ator define sua relação com o cigarro como uma “relação tóxica”. A imagem pode parecer forte, mas é perfeita para ilustrar à perfeição a dependência da nicotina. Selton destaca a descoberta do cheiro inerente a quem fuma. A verdade é que o cigarro camufla outros sentidos do usuário: além do olfato, o paladar se ressente bastante da agressão do cigarro às papilas gustativas. Com a eliminação da nicotina do dia a dia, o ex-fumante começa a recuperar a sensibilidade do paladar e do olfato em poucos dias.
Na mensagem, o ator destaca também as famosas duplas “café e cigarro” e “drinque e cigarro”. As combinações tentadoras para o ator são, de fato, irresistíveis para muitos fumantes. Note-se aqui que se tratam de soma de adições, com a nicotina aliada à cafeína ou à bebida alcoólica.
Por fim, Selton Mello não se define como um ex-fumante, prefere afirmar que está “sem fumar há um ano”. Em todo processo de recuperação de adição, a vigilância em resposta à consciência da impermanência é primordial para manter-se distante do elemento de dependência. A abstinência estará sempre em risco caso o fumante entre em contato novamente com cigarro.
Há poucos dias foi a vez de a empresária Paula Lavigne postar no Instagram que estava há 12 dias sem fumar. De acordo com o aplicativo que contabiliza o impacto de se abandonar o vício, ela já teria evitado 187 cigarros.
Em sua mensagem, Selton deseja que “influencie alguém com esse depoimento”. Não tenho dúvidas que a mensagem realista e esperançosa compartilhada pelo ator tem a capacidade de alcançar e estimular muita gente. Parabéns, Selton!
Como escreveu o ator, “Acredite: é possível”.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.