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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Recenseadores desistem do trabalho: o quanto essa decisão fala sobre nós?

Xingamentos, assédios e roubos mostram um outro retrato do Brasil além das estatísticas

Por Analice Gigliotti
6 set 2022, 10h22

Objeto de polêmica em 2020 e 2021 – quando precisou ser adiado pela pandemia e por falta de verba – finalmente teve início o Censo Populacional do IBGE. Mais de 600 mil pessoas aplicaram para as 200 mil vagas do concurso que selecionou as equipes que iriam trabalhar no projeto. Portanto, cerca de 400 mil pessoas ficaram na fila de espera.

Há poucas semanas, os recenseadores começaram a visitar os lares brasileiros para a coleta de dados como grau de escolaridade e renda familiar. E aí veio a surpresa que ninguém esperava: é crescente o número de servidores do Censo que pedem desligamento do trabalho. Apesar da alta taxa de desocupados no Brasil, que ronda os 10%, muita gente preferiu abrir mão do emprego temporário.

As queixas não são de cansaço ou excesso de trabalho. Os recenseadores afirmam que não é raro serem recebidos com xingamentos, assédios, roubos, grosserias, insultos, ofensas racistas e ameaças armadas nos mais de cinco mil municípios do Brasil. Em Belo Horizonte, uma moradora compartilhou em grupo de WhatsApp do bairro a foto de um recenseador negro, afirmando que ele tinha “pinta de assaltante”. Já em São Paulo, recenseadores relatam terem sido expulsos, aos gritos, com porta na cara, vassouradas e até baldes de água atirados contra eles.

Além disso, ladrões estariam usando coletes semelhantes aos dos recenseadores para roubarem domicílios – o que aumentou ainda mais a má receptividade aos agentes do Censo. Assaltantes chegaram até mesmo a levar o aparelho eletrônico onde os dados são coletados. “É como roubar um tijolo”, explicou um técnico do IBGE, já que a máquina não tem utilidade nenhuma para além da pesquisa: não é um tablet ou computador, não faz ligações e não acessa a internet.

A insegurança também marca as entrevistas a moradores onde o Estado se faz ausente, como áreas de conflito com a polícia ou tráfico de drogas. Em Maceió, uma recenseadora relata que chegou a ser recebida por um morador com uma pistola. Em um país que estimulou nos últimos anos a compra de armas por parte da população, não chega a ser estranho. Mas a hostilidade não se restringe às classes mais baixas. Segundo os recenseadores, os moradores de prédios de luxo se recusam a recebê-los por medo de dar informações (apesar do sigilo da amostragem).

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Como tudo no Brasil, o Censo foi politizado. Parte considerável da população acredita que a amostragem é um gasto de dinheiro público desnecessário – algo em torno de 2,3 bilhões de reais – e reage às entrevistas com desrespeito, para dizer o mínimo. Porém, outra parte da população – onde me incluo – acha seu resultado imprescindível para conhecer que país somos e quais são as políticas públicas de que precisamos.

Quando for concluído, o Censo irá mostrar um retrato do nosso povo, nossas necessidades e carências. Porém, desde já está conseguindo deixar explícito nossas falhas morais e comportamentais, atravessadas profundamente pelo instinto de violência que, infelizmente, nos marca como povo.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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