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Comportamento
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O amor é a coisa mais triste (e midiática) quando se desfaz

Processo de astros do cinema, assistido em tempo real, é exemplo de quando um estimula o pior do outro em um casal

Por Analice Gigliotti
1 jun 2022, 11h07
Johnny Depp e Amber Heard no tribunal.
Depp e Amber: caso chamou a atenção do público e mobilizou as redes sociais. (Reuters/Reprodução)
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Parece um reality show, mas não é: divorciados desde 2017, o ator Johnny Depp e a atriz Amber Heard estão lavando a roupa (íntima) suja em público. A curiosidade excessiva sobre a vida dos outros – tão comum nos nossos tempos – transformou o ex-casal em um dos assuntos mais comentados dentro e fora das redes sociais nas últimas semanas.

Os atores começaram a namorar no início de 2012. Três anos depois, eles se casaram. O casamento durou 15 meses. Heard pediu divórcio e depois entrou com um pedido de ordem de restrição contra Depp, alegando que ele havia a atacado “violentamente”, jogando um celular em seu rosto com “força extrema”.

Em 2018, Amber assinou um artigo no prestigiado jornal “The Washington Post” alegando ser uma “figura pública que representa a violência doméstica”. Apesar de o nome de Depp não ser mencionado em nenhum momento, os advogados do ator alegaram que as acusações eram explícitas contra o artista e que o desabafo de Amber havia prejudicado a carreira de seu cliente. O astro da franquia “Piratas do Caribe” decidiu processar a ex-mulher por difamação, pedindo 50 milhões de dólares.

Depp, por sua vez, não apenas nega as acusações de Amber como afirma que ela era a agressora da relação. Foi o suficiente para ela também processá-lo, pedindo o dobro de indenização: 100 milhões de dólares.

O mais recente lance do processo foi o pedido de Johnny Depp pelo arquivamento da denúncia contra ele. A juíza negou, alegando que é obrigada por lei a permitir que o júri se pronuncie sobre um veredito. Ao longo do julgamento, a ex-mulher de Depp também tentou arquivar a ação ajuizada por ele, mas não teve sucesso. Agora, os atores processam um ao outro por difamação.

Apesar de a imprensa americana ter rotulado Depp como “espancador de esposas”, devido ao seu histórico que combina abuso de drogas e um estilo de vida desregrado, o ator colocou todo o seu carisma a serviço de demolir a imagem da ex-mulher. Em depoimento, atuou com tanto talento que conseguiu pender a situação a seu favor. Quando se divorciaram, Amber Heard havia prometido doar uma parte dos milhões que recebeu para caridade, o que ela não fez – seu namorado à época, Elon Musk, fez uma doação de um valor menor que o prometido pela atriz.

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Se Johnny Depp não é santo, tampouco é Amber Heard. O que sobra do bagaço dessa relação é ódio e mentira, um exemplo de relacionamento tóxico, quando um cônjuge incita o pior lado do outro.

Mês passado, a psicóloga forense encarregada do caso, depois de passar 12 horas avaliando a atriz, disse aos jurados que acreditava que Amber Heard sofria de dois transtornos: transtorno de personalidade limítrole (ou Borderline) e transtorno de personalidade histriônica. Segundo ela, o transtorno de personalidade é uma doença de instabilidade marcada por “muita raiva, crueldade para com pessoas menos poderosas e busca de atenção”, com comportamentos “impulsionados por um medo subjacente de abandono”, concluiu. Entre as evidências apresentadas no tribunal estão vários áudios de Heard implorando a Depp para não deixá-la. Se isso de fato aconteceu, é clara a violência que ela cometeu contra Depp, numa tentativa de aprosioná-lo – o que pode ter acabado por provocar a violência nele. Não justifica, mas explica. Além disso, é razoável supor que há fortes elementos narcísicos dos dois lados.

A psicóloga forense também disse que o transtorno de personalidade limítrofe parece ser indicativo para mulheres que incitam a violência contra seus parceiros. Segundo ela, o transtorno está ligado ao “drama e à superficialidade” e à necessidade de ser o centro das atenções. Foi o que bastou para que uma leva de misógenos passassem a torcer por Depp, como um FlaxFlu. O caso abre uma jurisprudência perigosa: homens violentos poderão partir do pressuposto de afirmar que foram alvo de mulheres psicologicamente instáveis. E assim, mais uma vez, a cultura machista tranforma o algoz em vítima.  

O veredito deve sair nos próximos dias. Tudo que envolve esse processo é extremamente violento: a exposição midiática, os afrontamentos, as acusações. Trata-se daqueles casos onde não sairá um vencedor. A seu modo, Depp, Amber e a própria Justiça americana saíram perdendo com o festival de cenas vexatórias que expos as vísceras do julgamento. É mais um capítulo na tradição de um país que transforma tribunal em circo para a massa, a tirar por casos anteriores como O.J. Simpson e Versace.

Qual o futuro profissional de Johnny Depp e Amber Heard? É cedo para dizer. Se há um povo que valoriza e até estimula histórias de redenção é o americano. Quem duvida que Depp seja capaz de recriar sua persona pública e ganhar um Oscar por algum filme pela frente? Não seria o primeiro e não será o último.

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Vinicius de Moraes – ele mesmo casado oito vezes, amigo de todas as suas ex-mulheres – escreveu que “o amor é a coisa mais triste quando se desfaz”. Coisa do passado. Hoje, o amor, quando se desfaz, é assunto midiático, que rende haters e likes, desgraça e popularidade, dinheiro e fama.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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