O mês de janeiro e a pressão de ser uma nova pessoa
A crença de que a partir da meia-noite de 1 de janeiro todos são “novas pessoas” num passe de mágica
A lista de promessas de fim de ano costuma ser longa: juntar dinheiro, mudar de emprego, arrumar um novo amor. Há também os que almejam sentimentos nobres: ser mais tolerante, mais paciente, mais amoroso. Sim, ao final de 31 de dezembro mudam o dia, o mês e o ano, mas a vida continua a mesma: o saldo no banco, o peso na balança, a pessoa que dorme ao lado na cama.
A promessa de um novo ano traz em si a ilusão de que junto com o amanhecer do dia, forjam-se novos comportamentos e hábitos que irão desaguar em novas pessoas. Em questão de tempo, a expectativa se transforma em frustração. A ansiedade se torna um tiro no pé: o fardo que as promessas se transformam é pesado demais. “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial/ Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão”, cravou Drummond. Touché.
Prefiro acreditar que um novo ano é uma oportunidade de agradecer pelos dias vividos, passar a limpo o que foi feito (e o que não foi feito) e seguir em frente rumo a novos 365 dias. Uma boa vida se constrói com esforço e dedicação. E ela não acontece apenas uma vez por ano, mas sim a cada novo dia.
O ano de 2022 prenuncia-se como um desafio para a saúde mental dos brasileiros. Além da pandemia, que a cada momento mostra uma nova faceta, longe do seu controle completo, muita coisa estará em jogo no terreno político, um campo bélico e nem sempre justo.
Tenhamos a calma e tolerância que o ano exigirá, vivendo semana a semana, dia a dia, com todas as oportunidades, delícias e dores – sim, elas são inevitáveis – que o tempo impõem. Tendo a concordar com a grande Clarice Lispector. “Façamos cada domingo de noite um réveillon modesto, pois se meia-noite de domingo não é começo de Ano Novo é começo de semana nova, o que significa fazer planos e fabricar sonhos.”
Feliz 2022! E felizes segundas-feiras a caminho!
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.